
Uma das medidas de controle mais importantes para combater o contágio por coronavírus precisa ser atualizada, segundo artigo publicado no periódico BMJ ( British Medical Journal). A análise dos cientistas da Universidade de Oxford, na Inglaterra, e do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos Estados Unidos, aponta que a orientação de ficar de um a dois metros longe de outras pessoas para evitar infecções é uma prática baseada em um teoria de 1890. Para eles, além da regra estar baseada em uma teoria ultrapassada, também não leva em conta as características do vírus.
Os estudiosos sugerem que sejam considerados demais fatores na hora de decidir qual método de distanciamento físico deve ser usado. Entre eles, a atividade e a maneira como é praticada, o tempo de exposição, as mudanças de ambiente e o uso de máscaras, por exemplo. As imagens que ilustram o artigo mostram pessoas em diferentes ambientes com máscara e sem máscara, "em silêncio / falando / gritando e cantando". Em cada situação, aumenta ou reduz o risco de contágio, conforme o tempo de contato em cada atividade:
- Sobre a leitura dos números, o que eu enxergo: o estudo nos mostra que a regra dos "dois metros de distanciamento" é uma super simplificação", baseada em alguns estudos de 1897, 1940 e 1948. Sendo assim, o estudo propôs recomendações graduadas conforme a tabela (abaixo) - analisa Isaac Schrarstzhaupt, consultor para projetos de risco e que tem se dedicado a fazer análises sobre os números da pandemia.
O artigo sugere, com base em pesquisas científicas ,que as gotículas da covid-19 conseguem viajar por mais de dois metros quando o infectado tosse ou grita. Nesse caso, a saliva infectada se espalha por até oito metros - o que pode significar uma necessidade de aumentar ou reduzir o distanciamento social conforme necessário. Para eles, em locais de alto risco, como bares, o distanciamento físico tem que ser maior do que dois metros e a ocupação reduzida para evitar o contágio. Já em outros pontos com risco baixo de contágio, as medidas devem ser mais flexíveis. A tabela de transmissão é para casos assintomáticos, e não para aqueles que estão com febre, tossindo ou espirrando por ter sintomas. Essas pessoas naturalmente saem menos e as outras se afastam mais por medo do contágio.
- Se analisarmos a taxa de contágio que estamos tendo, é possível correlacionar a estabilidade com números altos de casos e mortes de tantos meses no Brasil com a falha nas medidas de distanciamento. Claro que, como não temos números de quantas pessoas usam máscara, saem e por quanto tempo ficam fora, não temos como fazer um cálculo que mostra qual é este fator de correlação. Fica evidente que mesmo que o risco seja baixo em algumas situações e ambientes, há risco e conforme o comportamento de cada um, o contágio pode ocorrer e o vírus se propagar. Não existe risco zero, e sim risco baixo e esse risco baixo pode transmitir - ressalta Schrarstzhaupt
Para ele, as pesquisas também mostram que a volta às aulas, por exemplo, tem risco elevado de transmissão:
- A volta às aulas seria um ambiente de risco elevado de transmissão ao analisar o estudo. Basta olhar a tabela que fica bem claro que, se avaliar o comportamento das crianças e adolescentes e pela característica da escola, haverá propagação alta do vírus.
Schrarstzhaupt lembra ainda que contágio acontece da transmissão de uma pessoa para outra que, por sua vez, ocorre do contato entre essas pessoas.
- Para medirmos o contágio usamos o R0 ou R(t), que é a taxa de transmissão. Quanto maior esse número, maior o contágio. Notamos isso pelo aumento no número de casos, e podemos ver o número de Caxias do Sul: a linha vermelha (do gráfico) é o 1, ou seja ,acima dela a epidemia cresce, abaixo dela a epidemia diminui. Quando alinhamos essa informação ao estudo do distanciamento, podemos entender que Caxias oscila muito entre o R abaixo e acima de 1, e isso pode ser verificado nas medidas de distanciamento que temos - diz ele.
Ele explica ainda:
- Como os protocolos não levam em conta esse estudo mais atualizado, podemos aí ter uma chance de explicar a razão pela qual Caxias do Sul não elimina a epidemia por períodos, mas sim vem convivendo com ela, tendo como consequência números de mortes mais elevados do que locais que foram pela tática da eliminação: a Nova Zelândia, apesar de ser uma ilha, tem 4.880.000 habitantes, e teve até agora 22 mortes, enquanto Caxias tem quase 10 vezes menos população e quase cinco vezes mais mortes.

O ESTUDO
Ainda de acordo com o estudo, a regra de até dois metros "ignora a física das emissões respiratórias, onde gotículas de todos os tamanhos são aprisionadas e movidas pela nuvem de gás turbulenta exalada, úmida e quente que as mantém concentradas enquanto as carrega por metros em poucos segundos. Depois que a nuvem diminui o suficiente, a ventilação, os padrões específicos de fluxo de ar e o tipo de atividade tornam-se importantes. A carga viral do emissor, a duração da exposição e a suscetibilidade de um indivíduo à infecção também são importantes".
Oito de 10 estudos usados no artigo, o que equivale a 80%, mostram uma projeção horizontal de gotículas respiratórias que vão além de dois metros. Em um dos estudos, a dispersão de partículas foi detectada em seis a oito metros. Esses resultados deixam ainda mais claro que a covid-19 pode se espalhar mais se a pessoa tossir ou espirrar sem máscara e estiver contaminada. Ou seja, a transmissão é ainda mais complexa, segundo os cientistas, que sugerem, que cada situação seja analisada.
- Neste sentido, o estudo reforça que a avaliação de risco, um termo de biossegurança que serve para identificar vulnerabilidades para projetar e implementar medidas de controle e proteção, faz-se necessária com relação ao distanciamento físico. Assim, os espaços seriam avaliados quanto ao seu tempo de ocupação, tipo de ventilação, o uso da máscara, se o ambiente é silencioso ou ruidoso, contato, etc. para, a partir disso, estipular-se o que seria o distanciamento físico seguro - destaca em publicação na rede de análise da covid-19, a bióloga, mestre e doutora em Biologia Celular e Molecular pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e docente da área de Biossegurança na UFCSPA, Melissa Markoski.
O USO DA MÁSCARA
O próximo foco dos cientistas é examinar áreas de incerteza para desenvolver um guia para ambientes internos e externos com diversos níveis de ocupação. Enquanto as novas regras não são estipuladas, atual distanciamento físico e o uso de máscara não deve ser descartado. A coordenadora da Infectologia do Hospital Geral, a médica Viviane Buffon, alerta sobre a necessidade do uso da máscara, que segue sendo uma das principais maneiras de prevenir o contágio:
- Esse estudo dá um respaldo científico de que quanto maior tempo ficarmos em aglomeração, sem uso de máscara, em ambiente fechado e pouco ventilado, maior a chance de eu transmitir através de gotículas ou aerossol o vírus. Ele nos dá luz de que devemos manter o uso de máscaras, especialmente, em ambientes sociais.
A médica lembra que a revista The Lancet publicou, em 27 de junho de 2020, um artigo sobre os efeitos da distância física, máscaras faciais e proteção para os olhos na transmissão do vírus em ambientes assistências e na comunidade:
- A conclusão foi que o distanciamento físico de um metro ou mais e que o uso de máscaras, protetores faciais e óculos podem auxiliar na redução da transmissão do vírus. Obviamente, desde que usados de forma adequada e associados à higienização das mãos e em ambientes relacionados à assistência a saúde, com a paramentação padrão com avental e sapatos fechados.
Por isso, ela ressalta, que a publicação no British Medical Journal é importante porque traz um novo olhar sobre a prevenção:
- É relevante o questionamento sobre as condutas adotadas previamente. Os pesquisadores da Universidade de Oxford trazem um novo olhar sobre as precauções que utilizamos. Entendo que como medida de conduta geral para a população, não é possível ter esse controle com regramento para cada situação.
A especialista ressalta ainda que como infectologista, entende que há essas variáveis e por meio desse conhecimento o contato social poderá ser flexibilizado:
- No entanto, teremos que passar por etapas de adaptação já que o comportamento adequado em cada ambiente depende de cada pessoa. Também temos que esclarecer a população e mais estudos são medidas fundamentais para estarmos seguros mesmo que em grupos de pessoas.