Um dos maiores desejos de Isaac Schrarstzhaupt, 38 anos, é estar errado em suas previsões matemáticas sobre a pandemia do coronavírus em Caxias do Sul. Infelizmente, por enquanto, os cálculos dele têm sido precisos. Administrador e consultor de gestão de projetos e riscos, o caxiense nascido no Hospital Pompéia vem usando suas habilidades para analisar dados sobre o avanço da doença no Brasil e no mundo desde o dia 27 de fevereiro. Há pouco mais de um mês, publica suas estimativas nas redes sociais em um apelo pela prevenção e pelo distanciamento social. As projeções dele têm sido balizadas pela realidade, mas com um agravante: o ritmo de contágio na vida real está um dia na frente da estimativa.
Pelas suas contas, Caxias do Sul pode entrar em colapso até o final de junho, bastando que 1% da população adoeça, o que daria em torno de 5,1 mil pacientes, sendo que boa parte deles precisará de leitos hospitalares. É uma estimativa leve, considerando a projeção bem mais sombria de que a cidade pode ter 51 mil infectados até agosto e 7,8 mil hospitalizados, segundo a Secretaria Municipal da Saúde (SMS).
— O que mais quero é estar errado, de estar deixando de ver algum fator que acabe por superestimar essas previsões — diz Isaac.
Ele é o que se pode chamar de cientista de dados, profissional especialista em avaliar e resolver problemas complexos para a tomada de decisões de empresas. Está na função há seis anos, quando começou a trabalhar com a análise de risco em projetos e com extração de informações de bancos de dados. Está longe de ter conhecimento médico sobre os riscos da infecção, mas sabe que os números não mentem e são fundamentais para dimensionar o impacto da covid-19 numa cidade como Caxias.
Inicialmente, Isaac queria entender o que estava acontecendo. Como interpreta muito mais facilmente o cotidiano a partir desse tipo de informação, não acredita em decisões baseadas apenas na intuição _ "sou chato", brinca.
Com a análise que constrói para a sua própria compreensão, sentiu que poderia ajudar a esclarecer a pandemia para o público. Antes do fatídico março, suas redes sociais estavam praticamente desativadas. Isaac resolveu publicar suas projeções com um viés educativo, demonstrando como os números estão andando ao longo dos dias.
Como os gráficos não trazem nomes e rostos, o trabalho voluntário encontra mais eco nos bastidores, onde apreciadores desse tipo de análise trocam ideias e se ajudam na tarefa de projetar o que ainda é incerto para muitas pessoas. Os dados motivam discussões em grupos de WhatsApp e são planilhados para escancarar a escalada da doença. São amigos e conhecidos de várias partes do Brasil e de outros países.
— Conversamos muito sobre as ferramentas e estudos disponíveis, e também colocamos nossas análises para avaliações uns dos outros, assim temos mais certeza do método e se não estamos esquecendo de algo — revela.
Vez em quando, algum cidadão menos entendido tenta esclarecer um dado via rede social. Isaac não desanima diante da falta de "audiência" e seguirá calculando e alertando.
— Caso a população saia às ruas e não tenhamos uma subida rápida como os números estão nos dizendo, eu não teria vergonha alguma em dizer que estava equivocado e, se possível, quero mostrar aonde estavam os meus equívocos — promete.
PROJEÇÃO CERTEIRA
:: Uma tabela registrada numa troca de e-mails com a reportagem traz previsões que o próprio Isaac Schrarstzhaupt almeja ser um erro de cálculo.
:: No dia 27 de março, sua análise apontou que Caxias teria 41 casos confirmados da covid-19 em 18 de abril — esse número foi alcançado dois dias antes. A estimativa para a mesma data era de que haveria oito pessoas internadas — na quinta-feira (16), Caxias tinha 11 pessoas internadas com sintomas da doença, entre confirmados e suspeitos.
:: A tabela também previa que haveria 43 casos confirmados no dia 19 de abril — esse número foi atingido oficialmente no dia anterior.
:: Se a realidade continuar seguindo os rumos da projeção, a rede hospitalar enfrentaria superlotação no final de junho, incluindo falta de leitos de UTI.
:: O mapa é baseado numa taxa de crescimento de 6% ao dia, controlada pelo isolamento social.
Isolamento voluntário há um mês
Para criar os modelos matemáticos, Isaac Schrarstzhaupt utiliza o software Geogebra. Na montagem dos painéis gráficos, apela ao programa Power BI, que também é gratuito. As fontes vêm das mais variadas formas. Geralmente, ele precisa criar à mão um dataset (termo para definir o local onde estão centralizados os dados), pois cada site disponibiliza de uma maneira.
Isaac dedica de três a quatro horas diárias para montar os painéis, conferir os dados e verificar se houve alguma modificação em relação aos dias anteriores.
Ao lado da esposa, a professora e artista plástica Audrey Arabela Simon Schrarstzhaupt, o profissional está isolado em casa há um mês. O casal trabalha em regime de home office. A última saída deles ocorreu no dia 16 de março, data em que o segundo caso de covid-19 foi confirmado em Caxias, o que deu margem para Isaac iniciar a coleta e a comparação de informações locais.
— Estou trancado em casa justamente para respeitar o isolamento e o distanciamento social, que os próprios dados demonstraram que era a solução mais aceitável. Saímos para ir ao mercado uma vez naquele dia para fazer compras para nossos pais. Fizemos as compras de forma a ter mantimentos para um período de quarentena que estava se aproximando, assim não esgotamos os estoques dos mercados — conta.
Muita gente obviamente acha os 43 casos atuais de covid-19 um número pequeno para uma população de 510 mil pessoas. Isaac explica que, matematicamente, a previsão é a mesma para qualquer local aonde existam pessoas suscetíveis à contaminação. No momento, a ocupação do sistema de saúde é de parte de uma parcela muito pequena de infectados. Essa constatação deu segurança para que as prefeituras da Serra e o governo do Estado flexibilizassem a circulação da população. Mas o vírus é invisível, desconhecido e sem cura. Um decreto, por si só, não garante a saúde de milhares de pessoas.
— A pesquisa divulgada pelo governo do Estado demonstra que a prevalência da população infectada é de 0,05% e isso já está ocupando os hospitais de uma forma preocupante. Se tivermos 10 vezes a quantidade da população contaminada, ou seja, apenas 0,5% da população, como será a ocupação dos hospitais? Justamente por isso temos colapso do sistema de saúde em Nova Iorque, Milão, Guayaquil, Fortaleza e Manaus — elenca.
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