Policiais civis levaram exatas cem horas para rastrear a quadrilha responsável pela morte do secretário de Saúde de Porto Alegre. Desde que Eliseu Santos, 63 anos, foi morto com dois tiros, na noite de sexta-feira, mais de 30 agentes e peritos palmilharam endereços, coletaram fios de cabelos, recolheram amostras de sangue e saliva e pernoitaram dentro de carros à espreita de suspeitos. Tudo, até identificar um dos assassinos e comprovar que é dele o DNA coletado na cena do crime. Zero Hora descreve os bastidores de uma das mais rápidas e científicas investigações da crônica policial gaúcha.
Eliseu matou Eliseu.
Essa é a conclusão a que chegou a Polícia Civil gaúcha, após cinco dias de diuturnas investigações sobre o assassinato de Eliseu Santos, 63 anos, secretário municipal da Saúde de Porto Alegre.
Baseados em informes, depoimentos, buscas em residências e exames científicos, os policiais afirmam que um dos assassinos é Eliseu Pompeu Gomes, 22 anos.
Ele teria cometido o crime ao tentar roubar o carro do médico e xará Eliseu Santos, na noite de sexta-feira, na Rua Hoffmann, bairro Floresta, na Capital. Na troca de tiros entre criminoso e vítima, o Eliseu assaltante foi baleado, mas sobreviveu. O Eliseu alvo do assalto morreu no local.
Três fatores foram fundamentais para a Polícia Civil chegar ao suposto envolvido no crime.
FATOR 1: Rastreamento da fuga
Conforme previam os policiais, o homem baleado pelo secretário procurou socorro. Gomes foi atendido no Hospital São Camilo, em Esteio, cidade onde mora. Estava com dois ferimentos de bala na coxa esquerda e um no pé. Mesmo assim, insistiu em ir embora do hospital, logo que recebeu curativos, sem ter retirado um projetil que ficou alojado na perna. O ferido justificou aos médicos que sofrera um assalto.
PMs foram chamados ao hospital e registraram uma ocorrência na Delegacia da Polícia Civil de Esteio. No registro, informavam que o paciente afirmara aos médicos ter sido vítima de assalto. O caso passou desapercebido, pois naquela hora os agentes da Delegacia de Homicídios ainda não sabiam que o secretário tinha reagido e ferido a tiros o seu algoz. Na manhã de sábado, enquanto Gomes tratava de desaparecer, agentes fizeram um pente fino em ocorrências envolvendo baleados e localizaram a de Gomes, na qual constava sua identidade verdadeira e endereço. Repassou dados corretos, provavelmente, por não ter antecedentes e não saber que tinha disparado contra alguém muito conhecido.
A parentes, preocupados com seu ferimento, Gomes teria confessado que "se deu mal" ao tentar roubar um carro em Porto Alegre. Policiais foram até a rua onde teria ocorrido o assalto contra Gomes, em Esteio, seguindo o descrito na ocorrência policial de atendimento a ele. Descobriram que nenhum tiro foi disparado lá na noite de sexta, nem havia qualquer referência a roubo na região. Moradores que tomavam mate na rua naquela noite disseram nada ter visto de estranho. Os agentes deduziram que, em vez de assaltado, Gomes poderia ser um assaltante, embora não tenha antecedentes criminais. Passaram, então, a monitorar a casa de Gomes, num bairro de classe média. Conseguiram, na manhã de terça-feira, permissão judicial para fazer buscas na casa e coletar material genético de parentes dele para exame de DNA.
FATOR 2: Rede de informantes
Fazendo uso da sua principal forma de investigação, a rede de informantes, policiais civis receberam três pistas decisivas. A primeira é de que Gomes, o ferido que procurou socorro em Esteio, é irmão de um conhecido ladrão de carros que cumpre pena no Instituto Penal de Viamão. Ele também circula com dois assaltantes que tiveram diversas condenações por roubo, furto e adulteração de veículos. Um deles, apelidado Alemão, acumula prisões por assaltos desde 1991. Outro, de codinome Japonês, vem sendo preso desde 2002 por roubo de carros, vinculado a Luciano da Silveira, o Puro Osso, conhecido receptador de veículos roubados e homicida que cumpre pena na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc).
Outro informe, obtido por um policial civil do Grupamento de Operações Especiais (GOE) e repassado ao diretor da Divisão Judiciária e de Operações (DJO), delegado Alexandre Vieira, apontava que a morte de Eliseu fora durante assalto praticado por uma quadrilha de ladrões de veículos radicada entre Esteio e Sapucaia do Sul - e que também atua no bairro Floresta, em Porto Alegre. A informação foi antecipada por Zero Hora na edição de ontem. Circulavam com um Vectra seminovo, prata, semelhante ao usado pelos envolvidos no tiroteio que resultou na morte do médico Eliseu Santos.
Agentes da Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos descobriram, então, que PMs tinham localizado um Vectra incendiado na noite da última segunda-feira, no Santuário das Mães (bairro Roselândia), em Novo Hamburgo. Chamou a atenção dos policiais que o local é o mesmo onde a jornalista Beatriz Helena de Oliveira Rodrigues foi encontrada, morta e queimada, num carro, em 12 de junho de 2004. O marido dela, Luiz Henrique Sanfelice, foi condenado pelo crime e está foragido.
Pelas placas, os agentes descobriram que o carro incendiado segunda-feira tratava-se de um Vectra modelo 2007 furtado na noite de 22 de fevereiro num hipermercado em Canoas. Os policiais civis foram ao Roselândia e, no exame do veículo, descobriram na lataria a marca de pelo menos um tiro. A partir daí, firmaram convicção de que estavam na pista certa.
FATOR 3: Metodologia científica
Os policiais tiveram, desde o início do caso, preocupação com o isolamento da área do crime, que ficou interditada por 12 horas (entre a noite de sexta e a manhã de sábado). Com isso, o Instituto-geral de Perícias (IGP) pôde coletar boa quantidade de sangue da vítima e também de um dos seus assassinos, ferido no local do confronto. Quando Gomes surgiu como possível participante do assalto frustrado contra o secretário, os agentes decidiram comparar o DNA de Gomes com o do sangue coletado no local do crime.
Como o suspeito está foragido, a saída foi coletar saliva da mãe de Gomes e de um dos seus irmãos. Os familiares autorizaram a coleta. O DNA do material foi confrontado com o sangue recolhido no local do crime, dando resultado positivo. Em outras palavras, Gomes esteve no local do crime, onde foi ferido.
- Foi tentativa de assalto. O assassino exibiu pouco agrupamento dos tiros, poucos disparos desferidos, conseguiu só um tiro no peito e um na canela da vítima... Os autores não montaram uma tocaia digna que quem quer executar alguém e fugiram do local. Se quisessem executar, pegariam o secretário saindo do culto, com um tiro na nuca - constata o delegado de Homicídios, Bolívar Llantada.
O exame do DNA foi transformado em laudo e entregue à Delegacia de Homicídios à 1h50min de ontem. De posse dele, policiais correram à Justiça para tentar a decretação da prisão temporária de Gomes, o que aconteceu na final da manhã de ontem. No entanto, até a noite ele ainda não havia sido preso. Os outros dois suspeitos de integrar a quadrilha também tiveram prisão temporária decretada pela 1ª Vara do Júri de Porto Alegre e continuam foragidos.
Aquilo que a Polícia Civil considera desfecho do caso teve solenidade na tarde de ontem. Foi anunciado pelo chefe da corporação, delegado João Paulo Martins, na presença da cúpula policial.
O inquérito deve ser enviado, agora, para outra vara criminal, já que a conclusão é que teria sido latrocínio (assalto com morte da vítima) e não execução premeditada, tipo de crime julgado pela Vara do Júri. O objetivo dos criminosos seria o carro de Eliseu.
- Mais de 15 testemunhos convergiram para o crime de latrocínio, divergindo do aspecto do homicídio premeditado. Para nós, a hipótese de assassinato por encomenda está descartada - conclui o delegado Ranolfo Vieira Junior, diretor do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic).
Em gráfico, entenda o crime: