
Carro-chefe da vitivinicultura brasileira no mercado internacional, o espumante produzido no Brasil se destaca pelo sabor fresco, que remete ao país tropical. Os aromas, sabores e borbulhas têm conquistado paladares nos mais diversos locais pelo mundo afora, desde os vizinhos na América do Sul até consumidores distantes, como na Ásia e na América do Norte, além de regiões mais clássicas do setor na Europa.
É o que mostram os dados do Instituto de Gestão, Planejamento e Desenvolvimento da Vitivinicultura do Estado do Rio Grande do Sul (Consevitis-RS), por meio do projeto setorial Wines of Brazil, que apontam um aumento de 29,84% nas exportações de espumantes brasileiros entre 2024 e 2025. No período, o valor movimentado em vendas de espumantes para fora do país subiu de US$ 763 mil para US$ 991 mil.
— A gente vem notando que o posicionamento do vinho brasileiro tem mudado bastante. Muito em decorrência da procura de fora pelo Brasil, mas também pela questão de produção regional no país. Isso mudou muito nos últimos cinco anos. Muito por conta do trabalho promocional do projeto, do trabalho das vinícolas em investimento tecnológico e propaganda. Muitas delas já têm, inclusive, brand ambassadors (embaixadores de marca) em alguns países como China e Estados Unidos — aponta o gerente de promoção para o mercado externo do Consevitis-RS, Rafael Romagna.
Hoje, 87% das vinícolas estão localizadas no Rio Grande do Sul. E, conforme Romagna, as maiores exportadoras estão localizadas no Estado.
Até o momento, o Brasil exporta produtos vitivinícolas para 48 países, sendo que os maiores compradores são o Paraguai e os Estados Unidos. Os dados são referentes ao período anterior ao tarifaço de Donald Trump.
— É um cenário macroeconômico, em que muita coisa vai mudar e a gente também tem prospectado outros mercados. Recentemente, fizemos uma missão para o Canadá, para também tentar entender como suprir esses gargalos que podem impactar no futuro — analisa Romagna.
Além da prospecção no Canadá, um dos mercados que vêm chamando atenção dos exportadores brasileiros é a China, que está amadurecendo o paladar para os espumantes e vinhos brasileiros.
— Tem empresas que desenvolveram produtos específicos para esse mercado e depois adaptaram para o mercado doméstico. A gente vai participar agora, em novembro, da principal feira da China, que é a ProWine Shanghai, com seis empresas — antecipa.
Além da presença internacional, outro aspecto que vem contribuindo para o aumento no volume de produto exportado são as premiações internacionais conquistadas pelas vinícolas brasileiras em competições, principalmente europeias.
Destino: Europa

No mais recente movimento com destino à Europa, a vinícola Miolo Wine Group, de Bento Gonçalves, embarcou 200 mil garrafas do brut Cuvée N°7 para a Suécia em setembro. O rótulo é feito com uvas chenin blanc, cultivadas na Vinícola Terranova, em Casa Nova (BA), no Vale do São Francisco.
— A maior parte das nossas vendas é para a Europa. Nós temos aqui na América Latina também alguma coisa entrando e estamos iniciando exportações de espumantes para Argentina. No Paraguai somos muito fortes — revela o gerente de exportação da Miolo, Lucio Motta.
É uma surpresa pra quem não conhece. Primeiro, que existe produção de vinhos no Brasil, e, depois que eles degustam, porque eles não imaginam a qualidade.
LUCIO MOTTA
Gerente de exportação da Miolo
De acordo com Motta, na Europa, o principal mercado é o Reino Unido, mas, em menor escala, o espumante brasileiro produzido pela vinícola bento-gonçalvense também chega em mercados tradicionais, como a França e a Itália, além de países como a Holanda, Bélgica e Alemanha.
— Uma das estratégias que a gente está tendo e focando bastante é na participação em eventos internacionais, justamente para aumentar essa visibilidade e ter mais retorno. Ter mais comentários das pessoas. É uma surpresa pra quem não conhece, né? Primeiro, que existe produção de vinhos no Brasil, e, depois que eles degustam, porque eles não imaginam a qualidade — afirma.
"Não é só simplesmente colocar o produto, porque ele não vai ser vendido sozinho"

Uma das primeiras vinícolas a fazer parte do Wines of Brasil, a Famiglia Valduga participa de feiras internacionais há mais de 15 anos. A primeira exportação foi em 2010, para a Alemanha, que segue sendo o país com maior volume e foco no trabalho da empresa bento-gonçalvense.
— Hoje, a Europa é o principal mercado. Temos penetração na maioria dos 27 países da comunidade europeia e o grupo exporta para quase 15 países, com vendas contínuas, com vendas recorrentes, então todo ano tem uma nova compra. E muito focado nos países nórdicos, especialmente a Dinamarca, onde temos um distribuidor nosso — explica o superintendente da Valduga, Jones Valduga.
Em outra frente, a Valduga tem uma brand ambassador na Europa, situada em Londres, na Inglaterra. Na prática, essa profissional é quem apresenta e educa o potencial cliente sobre o produto, os diferenciais e a produção.
— Ela faz o trabalho de gerenciamento desse mercado. Degustações, ativações, não é só simplesmente colocar o produto, porque ele não vai ser vendido sozinho. Então, precisa ter essa continuidade do trabalho para um crescimento em âmbito global — pontua o superintendente.
Para se ter uma ideia, a primeira exportação da Valduga levou quase cinco anos para se concretizar. Todo o processo envolveu conversas, envio de amostras, apresentações de produtos e negociações, até que, de fato, o acordo fosse fechado com os compradores alemães.
— Não é uma venda fácil, porque é um mercado extremamente tradicional. Eu penso que o Brasil consegue vender o diferencial, que é ter um produto com uma excelente qualidade versus um custo-benefício — analisa.
O Brasil consegue vender o diferencial, que é de ter um produto com uma excelente qualidade versus um custo-benefício.
JONES VALDUGA
Superintendente da Famiglia Valduga
Na Europa, um dos mercados mais consolidados e tradicionais do mundo, a Valduga exporta para Inglaterra, Irlanda, Portugal, Itália, Dinamarca, Noruega, Suécia, Holanda, Rússia e Hungria. E, neste momento, há negociações em andamento com clientes da Suíça, Romênia, Croácia e Chipre.
— O grande foco é a Europa, tínhamos alguns negócios muito grandes com os Estados Unidos, mas, depois do tarifaço, está em stand-by. Mas, ao mesmo tempo, acabamos de fechar agora para Porto Rico também. Então, na América Central, Caribe, a gente pode considerar um mercado interessante, buscando a qualidade. A gente vende agora para Porto Rico, Curaçau, Honduras, e tem uma negociação que está andando com o Peru — diz.
O que vem conquistando paladares e clientes pelo mundo é o frescor do espumante brasileiro, mas também o custo-benefício do produto, que apresenta qualidade parecida com os produzidos fora do Brasil e valores inferiores, principalmente por ainda não ser um país consolidado como produtor de vinhos.
— As pessoas gostam muito por ser um produto fresco, muito agradável, tem uma acidez equilibrada em boca, que é a característica que predomina num espumante de boa qualidade. O custo-benefício, nesse momento, é importante porque é um país que está começando a ser conhecido, mas não tem aquela força e volume que tem um Chile, uma Argentina, ou França — analisa Valduga.
Futuro e novos mercados
As expectativas do grupo para os próximos dois anos é de chegar a, pelo menos, 36 países com vendas recorrentes, focado no mercado de espumantes.
Além do trabalho já realizado com parceiros importadores e brand ambassadors, a empresa participa das principais feiras internacionais do mundo.
— A gente participa junto com o projeto setorial do Wines of Brasil, porque eu acho que é importante estar em bloco junto com as outras vinícolas. Como é um país novo, as pessoas querem conhecer a diversidade de outras empresas, de outras regiões. Participamos da ProWine na Alemanha, participamos da Vinitaly na Itália e da Wine Paris & Vinexpo Paris, na França, que são as principais feiras setoriais na Europa.
A ideia para os próximos dois anos é participar de cerca de três feiras do mercado asiático.
Consolidação de mercados internacionais
Para chegar ao marco de maior exportadora de espumantes do Brasil, com 5,9 milhões de garrafas exportadas entre 2024 e 2019, sendo 687 mil delas só em 2024, a Vinícola Salton tem uma trajetória internacional de 30 anos. O caminho para chegar em números expressivos foi longo e remonta de 1995, quando clientes da República Tcheca visitaram a vinícola e fizeram a primeira compra para fora do país.
— Esse primeiro importador até hoje é um cliente nosso, o mais antigo que nós temos. A partir desse momento, a empresa começou a entender que o mercado internacional era muito importante e acabou criando o próprio departamento de exportação — relembra Cesar Baldasso, gerente de exportação da vinícola.

Conforme Baldasso, o grande crescimento da empresa no mercado internacional começou em 2018. Foi a partir desse momento que a Salton passou a conquistar mercados importantes e consolidar volumes imponentes de produto exportado.
— Até esse momento, a gente vinha trabalhando, mas num volume um pouco modesto. A partir de 2018, a gente começou, realmente, a crescer, conseguir consolidar volumes que mostravam que realmente existe uma oportunidade muito grande para nós no mercado internacional — explica.
Com esse trabalho, a empresa conquistou clientes nos Estados Unidos e na China, que são dois dos maiores mercados do mundo, mas também vem se posicionando em outros mercados estratégicos, como a Rússia, Haiti, Bolívia, Gana e no mercado off-shore, como navios de cruzeiro.
— Existe uma diferença de consumo. O mercado americano tem um consumo muito parecido com o nosso. Então, busca um espumante seco, seja branco, seja rosé. Já o mercado asiático é um pouco o contrário. Eles são um mercado, talvez, não tão maduros ainda para a questão de espumante. Ainda buscam mais um espumante doce. No caso, o nosso moscatel — analisa Baldasso.
Em relação ao mercado europeu, o gerente de exportação avalia que há um crescimento nos últimos anos, principalmente entre consumidores mais jovens, que buscam por novos produtos, de diferentes terroirs.
— Já o mercado europeu foi um mercado que nos surpreendeu bastante nos últimos anos, principalmente nos últimos dois anos. Porque, obviamente, os grandes produtores de espumantes estão lá, mas a gente entende que, devido a alguns pontos, como possíveis quebras de safra nesses principais produtores europeus, até a questão da nova geração de consumidores, que tem um interesse um pouquinho maior para buscar produtos novos e origens novas — avalia.
Para abrir portas em mercados consolidados como o europeu, Baldasso aponta as premiações recebidas ao longo dos últimos anos, em países como Estados Unidos, Reino Unido, Itália e França, como o Decanter World Wine Awards, Sommelier Choice Awards, US Ratings e Effervescent du Monde, descrito por Baldasso como o principal concurso da França.
Como somos uma origem um pouco desconhecida ainda como produtores de vinhos e espumantes de alta qualidade, as premiações são justamente aquilo que certifica a qualidade que nós já temos.
CESAR BALDASSO
Gerente de exportação da Salton
— No Effervescent du Monde nós já tivemos a oportunidade de ter o nosso espumante selecionado entre os 10 melhores do mundo por três vezes. Então, é um reconhecimento bem interessante, porque grande parte das premiações vem de concursos na Europa. Eles reconhecem, sabem o peso disso. E como nós ainda somos uma origem um pouco desconhecida, ainda como produtores de vinhos e espumantes de alta qualidade, as premiações são justamente aquilo que certifica a qualidade que nós já temos — afirma.
Internacionalização que leva tempo

No final de 2024, mais uma vinícola brasileira entrou no mercado internacional: a Larentis, de Bento Gonçalves, conquistou clientes no Texas, nos Estados Unidos, e concretizou a primeira exportação da sua história.
— Esse processo de internacionalização da empresa foi uma experiência e tem sido muito boa. Dentro do que é nossa filosofia de posicionamento de marca e expansão, ela vem nos auxiliar. Foi um trabalho de quase dois anos. Até a gente conhecer o importador, entender um pouco mais o mercado, ele entender o nosso portfólio, a nossa filosofia de produção — relembra o diretor e enólogo da Vinícola Larentis, André Larentis.
O processo envolveu o envio de amostras de produtos para os potenciais clientes e degustações até que fossem definidos os seis rótulos que seriam exportados para o mercado americano: três espumantes e três vinhos.
— Focado já em um segmento premium, inclusive um vinho da nossa linha Gran Reserva, que tem desempenhado superbem também. Nossa vinícola é uma vinícola boutique com uma produção limitada, então, todo o nosso posicionamento são vinhos de exportação, mas de valor agregado, então, a gente está desenvolvendo um trabalho para, de fato, posicionar a marca — afirma.
Nesse trabalho de dois anos, foi possível identificar que o paladar dos americanos se assemelha, em alguns aspectos, com o dos brasileiros. No entanto, Larentis observa que é um mercado mais maduro, que consome, per capita, cinco vezes mais vinhos do que o Brasil.
— É um país que é aberto a provar vinhos e espumantes de outras origens. Tem esse espaço. Os espumantes brasileiros conseguem entregar uma qualidade muito boa, ainda mais em pequenas produções como a nossa. E por um preço competitivo. Então, isso foi um dos pontos que a gente trabalhou — diz.
Agora, a vinícola já mira destinos mais distantes, como a Ásia, depois de participar de uma feira na China em 2024. Por se tratar de um mercado grande e em desenvolvimento, apresenta boas oportunidades.
— É um mercado bem diferente e, até por a gente não ter uma proximidade cultural tão grande, a gente ainda está nesse processo de entender. A gente vê, também que o mercado de importação de vinhos na China oscilou bastante. Teve um forte crescimento, decaiu e agora está mais estável. Os chineses, com a ascensão da riqueza, eles demandaram por vinhos premiums — projeta o enólogo.





