
– O futuro já está acontecendo.
A declaração pode soar provocativa, mas carrega também o sentido de urgência ao ser proferida pelo diretor da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Regis Haubert, durante sua mais recente passagem por Caxias do Sul, no final de junho. Em palestra para os associados do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Caxias e Região (Simecs), Haubert falou sobre o futuro da indústria eletroeletrônica, especialmente diante da revolução provocada pela inteligência artificial.
Em Caxias do Sul, cerca de 250 empresas atuam no ramo eletroeletrônico nos mais diversos segmentos, elaborando componentes para maquinário que atendem desde o setor gastronômico até o agronegócio, passando por soluções para automação industrial, simuladores de treinamento e sistemas para transporte e mobilidade. A maior parte destas marcas sequer aparece para o consumidor final, embora seus componentes cumpram papel fundamental para o funcionamento dos produtos.
Sendo um setor que tem a tecnologia e a inovação como pilares, a indústria eletroeletrônica tem dentro de cada escritório, mas também no chamado chão de fábrica, cada vez mais a inteligência artificial incorporada à vida real. Para Haubert, a velocidade cada vez maior com que a inovação ocorre não permite mais dissociar a competitividade do uso de inteligência artificial. Isso vale tanto para o desenvolvimento de produtos de engenharia quanto para os próprios processos administrativos internos, que serão cada vez mais automatizados.

– Muito em breve nós vamos precisar de um terço do que se tem hoje (de pessoal) numa gestão de escritório: questões fiscais, tributárias, contabilidade, compra de suprimentos, todas essas tarefas corriqueiras já estão sendo substituídas pela inteligência artificial, na medida em que eu tenho os dados tabulados e que o algoritmo vai interpretar e me dar a solução necessária – disse, em entrevista após a palestra.
Saindo do escritório para a área de desenvolvimento de produtos, Haubert ressalta que, para ter times cada vez mais preparados no sentido de extrair da tecnologia o seu uso mais otimizado, será preciso incluir o treinamento para desenvolvimento de prompts (como são chamados os comandos, ou conjunto de perguntas feitas ao algoritmo).
– O maior desafio que percebo hoje é como incluir, no trabalho com inteligência artificial, toda uma geração de jovens que têm muita dificuldade de interpretação de texto. Os próximos cursos e treinamentos terão de focar no desenvolvimento de prompts, para que a pessoa seja capaz de discernir as respostas e de formular perguntas cada vez melhores. A qualidade da resposta gerada pela IA depende diretamente da qualidade da pergunta feita – complementa.
Inspeção de qualidade otimizada

Fabricante de cerca de 65 mil controladores eletrônicos por mês, sendo que a maioria irá compor máquinas para o segmento gastronômico, como fornos e câmaras de fermentação, a Inova teve no auxílio da inteligência artificial um ganho sem precedentes para fazer a mais rigorosa inspeção de qualidade em seus produtos.
– 95% dos fornos de panificação profissionais no Brasil contam com a nossa tecnologia embarcada. É um volume muito grande. Diante desta demanda, a própria matriz da empresa desenvolvedora do recurso inteligente, que fica no Taiwan, nos procurou para ajudar a aprimorar o produto deles – destaca Rodrigo Dal Pizzol, head de Inovação e Novos Mercados.
Outro segmento em que a Inova marca forte presença é o de painéis de exibição de itinerários eletrônicos em LED utilizados em ônibus. Também graças a IA, foi possível aprimorar significativamente o controle de qualidade na sua linha de montagem, segundo explica Dal Pizzol:
– A tecnologia detecta se algum funcionário esqueceu de colocar um único parafuso ou outro componente, se todos os LEDs estão acendendo com a mesma intensidade, entre outras falhas possíveis. No dia a dia o ser humano fica fatigado e sujeito a erros que antes podia passar pela inspeção, que até pouco tempo era realizada de forma 100% manual.
Com sede no bairro Kayser, a Inova é uma das maiores companhias do setor eletroeletrônico em Caxias, com 280 funcionários, sendo que 70 deles são engenheiros ou técnicos - percentual acima da média. Esta qualificação tem proporcionado uma maior facilidade de adaptação à inteligência artificial em todos os seus níveis, chegando com a informação e os manuais de uso mais “mastigados” aos operários. Apesar dos avanços, contudo, Rodrigo aponta que a conectividade pode vir a ser um obstáculo para a plena implementação da IA no Brasil, especialmente em aplicações remotas:
– O 5G é o grande divisor de águas para desbloquear essa série de inovações que nós vamos experimentar com a inteligência artificial, e nisso o nosso país ainda não está tão preparado. Onde não há acesso confiável à internet, a conectividade do cliente certamente vai impactar, no mínimo tornando o serviço mais caro.
Soluções desde o orçamento até a manutenção

Criada em 1991 e sendo referência no segmento de automação industrial em Caxias do Sul, a Lujetec atende três frentes principais: fabricação de painéis elétricos de baixa tensão, adequação de máquinas às normas de segurança (NR-12) e eficiência energética.
Nos últimos anos, a inteligência artificial está cada vez mais presente nos produtos oferecidos pela empresa, cuja sede fica no bairro Cinquentenário. Supervisor comercial da Lujetec, Cristiano Bezerra destaca a manutenção preditiva, com uso de sensores inteligentes produzidos pela multinacional brasileira WEG (que tem a Lujetec como prestadora de assistência técnica autorizada) entre os principais serviços agregados aos seus clientes:
– A manutenção preditiva permite prever falhas em equipamentos, através do monitoramento em tempo real por meio destes sensores inteligentes. Para dar um exemplo, atendemos uma marca de panificação onde instalamos 18 sensores, e o retorno que tivemos foi que eles conseguiram prevenir e evitar diversas queimas de motores, sendo que alguns deles, se inativos, fariam parar toda a produção. A prevenção de paradas é o maior benefício deste serviço, porque aumenta a vida útil e reduz perdas.

Bezerra destaca ainda que o chatGPT, uma das ferramentas de IA mais difundidas, tem sido usado para otimizar a elaboração de orçamentos e projetos:
– Nossos orçamentistas passaram a ir às visitas junto com os vendedores, a fim de conhecer as demandas dos clientes. Ao retornar para a base, é feita uma reunião deles com a equipe de engenharia, de onde sai um relatório para o chatGPT. A ferramenta irá trabalhar com muito mais variáveis e oferecer uma sugestão de orçamento muito mais rápida e eficiente do que se tivesse três ou quatro pessoas trabalhando naquilo por uma semana, para no final poder ter como resultado uma ideia a ser descartada.
Mais agilidade permite explorar novos mercados

Especializada em simuladores, a Realdrive, instalada às margens da BR-116 no bairro Sagrada Família, teve de ampliar seu leque de produtos após o faturamento ter caído 95% após a queda da obrigatoriedade dos simuladores de direção pelos Centros de Formação de Condutores. Com o domínio da tecnologia, a empresa passou a prospectar mercados desde o agronegócio até a aviação, passando por veículos de competição e de defesa, conseguindo, assim, mais do que se reerguer, alcançar um crescimento consistente a cada ano.
Diretor da Realdrive, Matheus Stumpf comenta que o ingresso da Realdrive em outros mercados só foi possível graças ao aumento de produtividade que o uso da IA proporcionou. Stumpf estima entre 30% e 40% este ganho no setor de engenharia.
– A IA agiliza muito o tempo de um designer ou de um programador, porque ele pode pedir ao chatGPT que este faça pequenas partes do que seria o trabalho do outro para uma validação rápida, sem precisar da presença deste colega ao seu lado e, consequentemente, sem que um dependa da disponibilidade de tempo do outro – exemplifica.

Outro exemplo de otimização de recursos humanos foi no monitoramento de aulas práticas de autoescola com simuladores - um ramo que, mesmo tendo deixado de ser o carro-chefe, ainda é relevante para o negócio. Cada aula é gravada e precisa ser validada. Se antes um colaborador precisava assistir cada vídeo para verificar situações como a presença do instrutor e do aluno e o trajeto percorrido, a ferramenta inteligente permitiu que esta tarefa passasse a ser desempenhada por robôs.
– A IA está aí para resolver problemas com tarefas repetitivas e permitir que a equipe fique mais liberada para trabalhar com a cabeça – avalia.
O CEO pontua, contudo, que foi desafiador superar certa resistência que parte de seu time teve quanto a fazer uso de ferramentas de IA, especialmente no início desta fase de transformação:
– Tive programadores que no início se negaram a utilizar a ferramenta, porque sentiram que seus empregos estavam ameaçados. Minha visão é de que a IA pode vir, sim, a tirar alguns empregos, mas sempre será necessário ter uma pessoa para finalizar um produto, especialmente quando falamos de entregas complexas.