
O desempenho econômico de Caxias do Sul tem apresentado números desfavoráveis nos últimos meses. Em abril, comparado a março deste ano, a economia recuou -1,7%, puxada pela baixa da indústria (-4,2%) e do comércio (-1,8%). Essa queda, em especial da indústria por três meses consecutivos, acende um alerta, já que o município é um importante polo industrial e que, além de fomentar diversos setores locais e regionais, reflete a situação do país, de acordo com especialistas entrevistados pelo Pioneiro.
Conforme o diretor de Relações Institucionais da Randoncorp e presidente do Conselho do Banco Randon, Joarez José Piccinini, Caxias do Sul é impactada, como qualquer outro município, pelas decisões de âmbito federal. Em sua opinião, o gestão atual do governo está visando mais a arrecadação do que a diminuição de impostos.
— Caxias não está descolada da economia brasileira. Estamos vivendo uma situação política que não é a ideal para o desenvolvimento econômico. É uma política que tem tido ênfase na arrecadação sem nenhum esforço em relação à contenção e racionalização do gasto público — acredita Piccinini.
O Copom (Comitê de Política Monetária), órgão do Banco Central do Brasil responsável por definir as diretrizes da política monetária e, em particular, a taxa básica de juros da economia brasileira, a Selic, também tem elevado as taxas inflacionárias devido ao aumento dos auxílios à população mais carente, segundo Piccinini.
— Ainda tem uma pressão inflacionária que decorre da política fiscal expansionista, como ampliação dos auxílios. Enquanto o Banco Central tem elevado as taxas de juros, porque vê esse movimento inflacionário, do outro lado o governo incentiva essa política fiscal, ou seja, coloca dinheiro na mão das pessoas (através dos auxílios). Ninguém é contra beneficiar a população mais carente, mas ela tem que ser alinhada e tem que ser harmônica com todo o resto — opina.

O diretor também destacou que o setor da indústria é determinado, tecnicamente, pela formação bruta de capital fixo, que é a taxa de investimento na economia em relação ao PIB (Produto Interno Bruto). Ele esclareceu que, em termos de Brasil, há uma taxa de investimento muito baixa nessa área causada pelo excesso de juros e carga tributária, além da incerteza com o futuro, o que influencia diretamente nas aplicações.
— Não sabemos exatamente o que vai acontecer, principalmente às vésperas de um ano de eleição. Então, os investimentos não estão acontecendo como eles poderiam acontecer. A ampliação ou renovação de frota, inclusive no setor agrícola, como tratores, e aqui em Caxias temos um parque fabril de autopeças desse setor muito relevante, mesmo sem grandes fabricantes, está sentindo o impacto. Isso gera uma atividade econômica que cresce menos, que vem desacelerando, é um ambiente ruim para investimentos — exemplifica.
Já para o head de Renda Variável da Fami Capital, Gustavo Bertotti, as questões citadas por Piccinini, reforçam o desaquecimento da economia local, com foco nas indústrias.
— Nós estamos falando da economia caxiense que 53,4% é indústria, ou seja, Caxias sente muito esse impacto. (Quando) Comparado abril de 2024 ao de 2025, teve uma queda de 8,5%. Então isso mostra o desaquecimento da indústria caxiense. As vendas industriais também puxam os números para baixo em relação ao mesmo período — analisa Bertotti.

Mercado de trabalho aquecido, mas até quando?
E mesmo com a queda dos números da indústria em Caxias do Sul, a geração de empregos ainda está crescendo, com 298 novos empregos formais gerados de março para abril de 2025. Contudo, tanto Gustavo Bertotti quanto Joarez Piccinini não sabem até quando isso pode se manter em alta. Para Piccinini, a tendência é a deterioração.
— Estamos observando isso ao longo dos últimos tempos, mas a (indústria) vinha num crescimento bom, mesmo que desacelerando. Agora não, ficou mais latente. A indústria reage antes, o serviço e o comércio vêm depois, porque as empresas ainda não tiveram demissões, e se a pessoa tem emprego ela está mais propensa a consumir, tanto a disponibilidade como a eventual contração de prestações. Mas, se continuar assim, a gente vai ver, na medida em que começar essa contração da atividade econômica, aquela que está carente de investimentos (no caso, a indústria), vai começar, no mínimo, não continuar contratando e, eventualmente, dependendo do nível de profundidade, até de redução de quadro — complementa Piccinini.
Já Gustavo Bertotti utilizou a questão do PIB para explicar o impacto que deve acontecer, futuramente, no setor.
— Nós tivemos um PIB positivo no primeiro trimestre, que em parte o governo comemora, mas tivemos praticamente um PIB que foi sustentado novamente em cima do agronegócio, com safra recorde. E aí se pegar a indústria no Brasil, que eu diria que capta todas essas disrupções, do doméstico, no cenário internacional, caiu 0,1%. Então, viemos para Caxias, que é uma cidade extremamente industrial, ela também sentiu muito isso. Vemos que a indústria vem desaquecendo, sendo um dos principais motores da economia e isso é causado por uma combinação de fatores, que começaram ainda em 2024. Nós tivemos uma desencorajem das expectativas de inflação e que gerou essa política contracionista com juros terminais, hoje com a Taxa Selic de 14,75%. Ou seja, uma combinação de juros altos e um cenário macroeconômico se deteriorando, eu acho que isso vem trazendo impactos — comenta Bertotti.
Especialistas divergem sobre impacto das taxações internacionais
No início de 2025, empresários de Caxias do Sul pontuaram que as taxações internacionais, como as dos Estados Unidos, e a própria guerra comercial com a China, não teriam tanto impacto no setor produtivo do município. No entanto, para Gustavo Bertotti, o registro da queda nas exportações (9,1%) e importações (15,9%) em abril (comparado a março) escancaram esse cenário.
— O setor industrial é extremamente dependente de importação, principalmente por itens tecnológicos, componentes. Nós temos principalmente chips, então com certeza impacta. Eu tenho que importar muitas dessas máquinas, sendo que a matéria-prima foi eu quem vendi. E as barreiras comerciais impactam o Brasil todo. O melhor cenário é qual? É a cooperação entre países, isenção de imposto — opina Bertotti.
O head também salientou como todas as taxações encarecem o produto final, desta forma, não há como Caxias não ser atingida pelas taxas.
— Porque um país, como os Estados Unidos, vai botar barreiras em determinado setor, produtos. (Para) Outros países que são muito fortes, como China, vai sobretaxar. Isso vai trazer um impacto muito grande em preço nos produtos. Depois, consequentemente, num cenário muito ruim, é a recessão. Ou seja, um crescimento do PIB global menor. Então, você vai exportar menos e vai importar menos. E ninguém ganha com essa história — comenta Bertotti.
Joarez Piccinini tem uma opinião diferente à de Gustavo. Para o presidente do Conselho do Banco Randon, o que mais causa impacto econômico no país são as questões internas.
— A maior parte dos nossos problemas são nossos, internos. Não somos muito afetados porque a nossa balança comercial com os Estados Unidos é praticamente zero, então ela não nos afeta. O Brasil tende a se beneficiar com essa questão da guerra tarifária, principalmente Estados Unidos e China, desde que, evidentemente, o governo e a diplomacia brasileira mantenham a nossa tradição de sermos absolutamente neutros e articulados. Digamos assim, somos mais impactados porque a economia global como um todo vai contrair em função dessa guerra tarifária, mas é um impacto indireto — comenta Piccinini.
O diretor e presidente ainda esclareceu que a questão da diminuição das exportações também é ocasionada pelos altos juros internos.
— O custo Brasil é apurado por uma entidade muito séria, chamada Movimento Brasil Competitivo, e eles têm um levantamento, que é uma mandala de 12 áreas (custo financeiro, tributário, logística, etc.) que gera um custo adicional que nós temos para produzir no Brasil e aí exportar. Ele gera valores desatualizados, era R$ 1,7 trilhão, mas, segundo as conversas que eu tive recentemente com o pessoal do Movimento, eles estão trabalhando na atualização e vai chegar perto de R$ 2 trilhões. É 18% do PIB brasileiro. Então, no Brasil as coisas são mais caras e mais difíceis devido à alta carga tributária — observa Piccinini.
Expectativas para o futuro
Para os especialistas, os próximos meses não são os mais positivos. Joarez Piccinini coloca que uma das soluções para trazer mais estabilidade econômica para os anos seguintes, principalmente com as eleições presidenciais em 2026, seria a realização de uma reforma administrativa e a redução da carga tributária.
— O correto seria fazer primeiro uma reforma administrativa, redimensionar o tamanho do gasto público e depois, gradativamente, ir fazendo reduções de encargos e de impostos para permitir que a atividade econômica se desenvolva. A Índia cresce de 7% a 8% ao ano, porque a carga tributária é 12%. A carga tributária na China é 20%. Nós temos uma das cargas tributárias mais altas do mundo e está se falando em aumentar, porque precisa gerar arrecadação. Então, a gente está indo para o caminho contrário do resto do mundo. E assim não precisa resolver da noite para o dia, mas tem que mudar a tendência. Estamos caindo em vez de, no mínimo, oferecer uma estabilidade com uma pequena indicação de melhora — destacou.
Para Bertotti, o cenário internacional também intensifica a instabilidade econômica local.
— Mesmo que eu não tenha mais aumentos de juros, o Banco Central vai ter que manter esse juro no patamar elevado até a conseguir ancorar as expectativas que nós temos de inflação. O cenário não é só Brasil. A partir de fevereiro, o (Donald) Trump (presidente dos EUA) trouxe muito mais incerteza, pois esse fortalecimento da indústria com barreiras, como ele está fazendo, é extremamente perigoso. Todos os bancos centrais no mundo estão muito cautelosos. Mas eu diria que no Brasil, principalmente, a taxa de juros está muito alta. Ou seja, ela bate muito na empresa, no custo de endividamento das companhias. E o que eu acho que vai trazer uma sensibilidade é a questão fiscal, que até agora o governo tem, na minha opinião, errado muito e, principalmente, tentando consertar um erro muitas vezes com outro erro. E isso pesa nas expectativas do empresário, nas expectativas dos consumidores — argumenta Gustavo.
Porém, o head de investimentos acredita que o segundo semestre de 2025 será mais positivo, mas com o receio ainda estará presente.
— Geralmente, o segundo semestre é mais promissor em termos econômicos. E Caxias acho que acompanha esse movimento. Mas eu diria que as incertezas no âmbito fiscal e o que a gente tem escolhido e observado já no âmbito de eleições e medidas que o governo vem fazendo, sem ver nenhum plano de corte de gastos, sem trabalhar a despesa, isso gera impacto. Vai continuar a deixar uma inflação pressionada, que vai manter um juro em patamar ainda mais elevado e que vai continuar impactando no desempenho da indústria — analisa Gustavo.