
A área da tecnologia ainda é um espaço em que a presença masculina é majoritariamente mais expressiva. Em 2024, o Serasa Experian divulgou uma pesquisa com o objetivo de traçar o perfil das mulheres que atuam na área de tecnologia no Brasil. O estudo revelou que apenas 0,07% das mulheres trabalham nesse setor, o que equivale a cerca de 69,8 mil profissionais, considerando uma base de mais de 93,3 milhões de mulheres.
Na Serra, ainda não há números exatos de quantas mulheres trabalham na área, mas, mesmo sem as estatísticas, é notável que é uma parcela muito pequena. No entanto, em Caxias do Sul, há muitas iniciativas que estão buscando revolucionar esse cenário. Uma delas é o "Elas na TI", um curso gratuito oferecido pela associação Trino Polo (Polo de Informática de Caxias), Senac Caxias e Coordenadoria da Mulher da prefeitura.
A coordenadora da área de Tecnologia da Informação (TI) do Senac Caxias, Andreza Barcaro, explicou que com a atividade buscam "despertar" as mulheres e mostrar que elas têm a capacidade de trabalhar na área como qualquer outro homem.

— A gente percebe que é um público mais masculino e a gente quer fazer essa inserção para as mulheres. Queremos levar não só o aspecto de programação, do raciocínio lógico, mas preparar elas na parte emocional. Além de despertar nas mulheres, de mostrar que elas têm a capacidade de ingressar no mercado de trabalho e que podem entrar nessa área, que a tecnologia está aberta para as mulheres — acrescenta Andreza.
Atualmente, a atividade está na sua terceira turma, mas não são todas que começam, que conseguem concluir as atividades. O gerente executivo da Trino Polo, Edison Maletz, comentou que há uma "barreira" entre as mulheres e o tema.
— A gente já vem percebendo, desde sempre, na verdade, que tem poucas mulheres na área de tecnologia, especialmente nas áreas mais técnicas, de programação e tudo mais. Por várias vezes tentamos algumas iniciativas, buscando inseri-las dentro desse contexto. E sempre há um pouquinho de "não vai, não funciona". A resposta para isso a gente não tem, do porquê não funcionou — disse.
Porém, para a coordenadora Andreza, muitas destas desistências podem ser causadas pelo medo do "desconhecido" e justamente por estarem em um ambiente mais masculino, o receio de errar se torna ainda mais constante.
— Na verdade, vêm muitas (mulheres), só que elas ficam com receio, com medo de entrar, porque é um público bastante masculino. Também ficam bloqueadas, de que quando elas estão entrando na área da tecnologia, às vezes pessoas próximas dizem "não, vai fazer uma outra área, é muito difícil", então a gente tem que acreditar que conseguimos ir quebrando essas barreiras que existem no mercado de trabalho — comenta Andreza.

A professora do Senac Dhara Emanuelle Rech, de 24 anos, relatou que, quando estava na faculdade, também teve dificuldades de se adaptar nas salas do curso de Análise e Desenvolvimento de Sistemas, por ser praticamente a única mulher e ter somente homens como professores. Por isso, compreende o sentimento de algumas alunas e vê como o "Elas na TI" ajuda a criar um ambiente mais tranquilo para aprendizado.
— É muito legal ver, porque eu já tive a experiência ao contrário. É nítido ver que o menino, ele entende mais rápido. Não sei porquê. E aí a gente começa a ficar com aquele sentimento: "Será que eu estou no lugar certo?". E é legal ter o "Elas na TI", porque a maioria delas não sabe nada. Elas vão aprendendo juntas e são mais unidas, vão se ajudando. Que é uma coisa que raramente tu encontra no curso técnico ou numa faculdade — comenta a professora.
Dhara também salientou que sabe que muitas pessoas não têm o conhecimento do inglês – que é a linguagem mais usada na programação – por isso, no início, busca usar situações da rotina para traduzir os conteúdos e facilitar o entendimento.
— Quando falamos de programação, tem dois mundos, que é o front e o back. A gente sempre começa com o back-end, que é a parte "escondidinha", que vai fazer tudo funcionar, e ela é toda em inglês. E muita gente, principalmente pessoas mais carentes, não tem muito conhecimento da língua. Então utilizamos o "portugol", que é toda a linguagem de programação em português. A gente explica o que é a variável, que é um espaço na memória, que é uma caixinha que tem um nome e dentro dessa caixinha vai ter uma informação, e por assim vai. Então a gente começa sempre pelo mais lúdico e daí segue — explicou Dhara.

Um "safe space" para o aprendizado
Além do "Elas na TI", outras iniciativas surgiram para aumentar a presença feminina nas áreas de tecnologia como o projeto global Django Girls, que oferece workshops gratuitos para mulheres, de qualquer idade, aprenderem a criar um website do zero.
A organização é sem fins lucrativos, formada com um único objetivo: levar mais mulheres para esse mundo. Em Caxias do Sul, o projeto foi reativado em 2025 após dois anos em hiato. Quem está na liderança neste ano são as desenvolvedoras Cristiane Sebem Damo, Carolina Silveira dos Reis e Victoria Zanella, que, por acaso, se conheceram em uma outra edição do Django Girls em 2023.
— Aqui em Caxias tinha um outro grupo que organizava antes da pandemia, só que, como várias outras coisas, acabou ficando meio largado depois disso. Então, eu e as outras meninas da organização, que nos conhecemos em uma outra edição do projeto, pensamos: por que não retomar isso? — relembra Victoria.

Para Victoria, projetos como esse podem auxiliar, principalmente, as jovens a se aproximarem desse universo. A ideia é criar um ambiente mais acolhedor e menos intimidador para o aprendizado.
— Eu, por exemplo, quando saí da escola, não tinha muita noção de que eu podia ter uma carreira nessa área. Então, eu fui fazer outras coisas, até começar a estudar programação por curiosidade. Mas, talvez, se eu tivesse participado de um Django Girls na época, eu estaria há muito mais tempo nessa carreira. Eu acho que esse tipo de evento é bem importante, porque é para ser um lugar, um "safe space" (um espaço seguro), para elas irem lá, aprenderem, errarem, se ajudarem e está tudo bem — comenta Victoria.
O workshop será realizado neste domingo (18), em parceria com o Senac Caxias e contou com mais de 90 inscrições de mulheres de 16 a 50 anos. Porém, há somente 60 vagas. Conforme explicou Victoria, a organização priorizou pessoas que nunca tiveram contato com a programação.

Com um cronograma intenso, as inscritas vão aprender a partir de um tutorial criado pela organização da Django Girls, utilizando a linguagem de programação Python com o framework Django. Elas também terão tutores para auxiliar caso surjam dúvidas.
— A metodologia do workshop é um hands-on, assim, “um mão na massa”. Elas vão sentar na frente do computador e vão começar a fazer. O tutorial é na linguagem Python, que é bem versátil. Dá para você fazer praticamente qualquer coisa com ela. E o Django é uma ferramenta para Python, que é para fazer aplicações web. Então a gente consegue fazer um site desde do zero e consegue colocar ele no ar — finaliza.
“A comunidade da programação é muito massa”

Hoje, sendo desenvolvedora back-end de uma empresa de tecnologia de Farroupilha, Victoria também contou que foi a partir do workshop do Django Girls, em 2023, que começou a pensar em desistir da graduação de História e a dedicar-se à programação.
— Não faz muito tempo que eu atuo na área, faz mais ou menos uns três anos que eu comecei a estudar, pela internet mesmo, de forma autodidata, porque antes eu era de outra área. E esse workshop, como alguns outros eventos de programação que eu já fui, me fizeram ver que a comunidade da programação é muito massa — disse Victoria.
Além disso, Victoria conta que, ao trocar de área, pesou a questão de qualidade de vida, dado que muitas empresas oferecem vagas “home office”.
— É uma coisa que me chamou bastante atenção nessa área também, quando eu escolhi trocar de área, foi essa possibilidade de trabalhar remoto. Então, hoje eu trabalho nesse regime híbrido, mas tem muita vaga que é totalmente home office. A gente acaba ganhando em qualidade de vida. É um dos prós da área — revela.
Na empresa em que trabalha, com sede em Farroupilha, Victoria relatou que se sente bem no local, mas que não há tantas mulheres presentes no ambiente.
— A empresa tem quase 20 funcionários e somente três são mulheres. Sendo que eu sou a única do desenvolvimento. A outra é de negócio e a terceira é do RH. Mas assim, lá é um ambiente que eu nunca me senti desrespeitada, me sinto superbem quanto a isso. E as pessoas me tratam de igual para igual, mas eu sei que não é em todo lugar que isso acontece. Então, tem essa questão de, às vezes, a pessoa ser qualificada, ter conhecimento, mas não consegue entrar no mercado por preconceito, por discriminação — comenta Victoria.
"As matérias de exatas sempre foram uma facilidade para mim"

No caso da estudante de Análise e Desenvolvimento de Sistemas Alice Novello, ela conta que conseguiu uma vaga de desenvolvedora júnior em uma empresa de Caxias justamente por ser mulher.
— Por ser uma área carente de mulheres, às vezes existe um incentivo maior. Por exemplo, a vaga que eu estou agora, fui contratada porque sou mulher — destaca.
E nessa questão do incentivo, Alice revelou que foi por um ação da Universidade de Caxias do Sul (UCS), quando ainda estava no Ensino Médio, que decidiu seguir na área das tecnologias.
— No Ensino Médio eu fiz um programa da UCS que chama "Encorajando meninas na ciência e tecnologia". Lá teve um pouquinho de programação, mas foi algo que me incentivou muito a continuar nessa área, porque as matérias de exatas sempre foram uma facilidade para mim — diz.
Mesmo começando pelo curso de Engenharia Elétrica e sendo professora de inglês no mesmo período, a programação surgiu alguns anos depois como uma "luz" através de um dos seus alunos.
— Eu comecei minha jornada acadêmica na Engenharia Elétrica, mas depois de cinco semestres, eu percebi que não era bem o que eu gostava. Mas eu sempre dei aulas de inglês e eu tinha um aluno que era programador e ele sempre dizia, "nossa, você tem muito perfil disso. Talvez fosse gostar," então fui atrás e gostei bastante. Em 2022, me matriculei no curso de Análise e Desenvolvimento de Sistemas e me formo neste ano — detalha.
Na empresa que trabalha atualmente, metade da equipe é composta por mulheres. No entanto, sente que o mercado cobra uma experiência das profissionais que estão entrando na área, que é mais difícil de garantir devido à falta de incentivo na infância para as meninas terem mais contato com a tecnologia do que com os meninos.
— Na verdade, o que se busca é aquela velha história do mercado. Eles querem pessoas com experiência, mas a pessoa para isso precisa de oportunidade. Então, como os meninos estão inseridos há mais tempo (nas tecnologias), tiveram mais incentivo desde sempre, acabam tendo mais experiência — comenta Alice.
Interesse na tecnologia desde a infância

Porém, a aluna do curso técnico de Desenvolvimento de Sistemas do Senac, Manuela Bitencourt, de 16 anos, já vem como um exemplo do interesse desde a infância pelas tecnologias.
— Essa parte de programação, de entender o funcionamento das coisas, principalmente a questão da tecnologia, sempre me interessou muito, desde pequenininha. Eu não sabia se eu ia realmente buscar um curso TI, mas chegou naquele momento do Ensino Médio, que tem aquela pressãozinha, então decidi pelo curso técnico na área de tecnologia, porque gosto disso — conta Manuela.
A jovem diz que as partes que mais tem curtido durante as aulas são as das resoluções de problemas, e como cada projeto tem uma vertente que pode ajudar a sociedade em algum momento.
— Eu não sei dizer exatamente ainda a área da TI ou a área da programação que eu gosto mais, mas, com certeza, essa parte de entender a lógica por trás das coisas, de realmente ter certas ferramentas e utilizar aquilo para resolver os mais diversos dos problemas. E também gosto da ideia de que cada projeto a gente acaba puxando um pouco uma vertente social, às vezes, ambiental ou essa parte que a gente realmente tem essa opção de resolver grandes problemas com ferramentas que estão ali — comenta Manuela.
Já para a estudante Gabriela Passos de Oliveira, de 28 anos, começar o curso de tecnologia de informática no Senac Caxias foi um sonho.
— Eu sempre gostei da área da tecnologia e sempre sonhei em fazer o curso, mas tinha esse receio da presença masculina, de ser muito difícil, porque eu não tinha nenhum conhecimento na área. Mas estou gostando do curso, sempre que eu tenho alguma dúvida, tem as professoras que são bem receptivas, explicam de uma maneira que a gente possa entender — fala Gabriela.

Grupo para mulheres na tecnologia
Além de incentivar as mulheres na área com o curso, a associação Trino Polo instalou, pela primeira vez, o "Trino Mulher", em março de 2025, para fortalecer o protagonismo feminino no setor de Tecnologia da Informação (TI) da Serra. A liderança do programa ficou com diretora administrativa da Datalan Sistemas de Gestão, Carmen Scariot. Entre os principais objetivos da iniciativa estão:
- O incentivo à participação feminina na tecnologia.
- A criação de uma rede de apoio e conexões.
- O desenvolvimento de talentos por meio de capacitação e mentoria.
- Além da promoção de ambientes de trabalho mais diversos e equitativos.

De acordo com Carmen, é preciso levar mais informações para as mulheres e explicar que não são somente nas áreas técnicas da tecnologia que é possível criar uma profissão.
— A mulher vem se destacando em todas as áreas profissionais e sempre teve espaço na tecnologia, porém falta informação de que para se trabalhar na área não precisamos ser somente programadoras de software ou dar suporte técnico, elas podem atuar nas mais diversas áreas que vão muito mais além do setor de desenvolvimento — diz Carmen.
Desde a criação do Trino Mulher, já foram disponibilizados três cursos online de formação em desenvolvimento de linguagens de programação; três encontros de networking e outras atividades. A expectativa é que o movimento traga mais profissionais ao mercado.
— Espero que através deste movimentos mais mulheres se inspirem, que mais talentos sejam descobertos, que surjam mais oportunidades e mais geração de empregos para todas — salienta.