
À medida em que o setor turístico da Serra tenta se recuperar da crise instalada pela enchente de maio, as Indicações Geográficas (IGs) e a valorização de produtos locais surgem como estratégia para impulsionar a retomada. E um evento em Gramado busca se consolidar como referência para esse setor. Na sétima edição, que segue até sábado (31), o Connection Experience reúne 51 produtores com selo de Indicação Geográfica, além de entusiastas de alimentos, bebidas e artesanatos que celebram a singularidade das próprias origens.
Realizado pela Rossi & Zorzanello Eventos e Empreendimentos em parceria com o Sebrae, o Connection nasceu como um braço da Feira Internacional de Turismo de Gramado (Festuris), que terá sua 36ª edição em novembro. Depois de debater temas como turismo rural, gastronômico e de natureza, o Connection chegou aos terroirs brasileiros em 2023, tema tão amplo que se estendeu até 2024.
A próxima edição está marcada para ocorrer entre 21 e 24 de maio de 2025. O evento seguirá sendo pautado pelos terroirs, termo emprestado do francês pelo universo das indicações geográficas para se referir ao conjunto de características ambientais, geográficas e culturais que influenciam a produção de vinhos, queijos, cafés e tudo mais que puder ser autêntico e, por isso mesmo, mais atrativo.
Como explica o CEO do evento, Eduardo Zorzanello, a indicação de origem é a certificação que identifica a procedência geográfica de um produto, associando-o a uma região específica que confere características únicas. Esse rótulo garante que o produto tem uma conexão direta com a área onde é produzido, refletindo as condições locais, as técnicas tradicionais e os saberes locais.
— A gente vai para a Itália e come a mortadela de Bolonha, o queijo parmesão e o prosciutto de Parma. Tem os azeites da Espanha, o queijo de tal região da França. A Itália tem mais de 900 produtos com indicação de procedência, no Brasil nós só temos 117. A gente precisa aprender muito com os mercados mais tradicionais que entenderam que os produtos agregam fluxo turístico e desenvolvem o social. Não é só gerar emprego e renda, é colocar uma comunidade na vitrine e potencializar o crescimento de todos — defende Zorzanello.
Espaço especial para Santa Tereza

Além de receber a verba arrecadada com os credenciamentos, o município de Santa Tereza, um dos mais atingidos pela chuva de maio na Serra, foi convidado a apresentar artigos em uma área especial do evento, junto aos produtores certificados. Com uma produção limitada a 1,8 mil garrafas por safra, todas numeradas, a Berra & Coberlini foi uma das expositoras.
Formada por duas famílias de Santa Tereza, a vinícola boutique viu o número de visitantes e clientes quase desaparecer após a enchente de maio. Além da falta de energia elétrica, enfrentaram também problemas de acesso, agora já normalizados.
— Nós fomos muito afetados, o nosso turismo diminuiu drasticamente. Como somos muito pequenos, a gente depende muito desse cliente que vai até a gente para degustar os produtos, para conhecer a nossa história, conhecer o que a gente está elaborando. Assim, no evento, a gente consegue ficar visível e mostrar o que a gente produz ao grande público — comemora o enólogo Cristian Corbellini.
Quem provou e aprovou a bebida elaborada por Corbellini foi o vendedor e produtor de café de Ribeirão Preto Adriano Cantadeiro, 51 anos. Em Gramado pela sexta vez, veio ao evento para prospectar novos clientes e conhecer novos produtos.
— Eu já consumo o vinho de uma vinícola de Caxias do Sul que uma amiga leva para São Paulo. Agora, acabei conhecendo esse vinho de Santa Tereza, muito bom por sinal, gostei bastante. Já peguei o contato e vou começar a diversificar a adega com eles — conta Cantadeiro.
Valorização inicial do mercado externo

Pesquisadora do Núcleo de Estudos em Abelhas, produtos Apícolas e Polinização da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a bióloga Márcia Faita veio a Gramado para divulgar a Indicação Geográfica do mel de melato da bracatinga.
Exclusivo do Planalto Sul Brasileiro, o produto tem menor teor de açúcar, maior teor de minerais, principalmente ferro, cálcio e potássio, além de mais antioxidantes. Márcia conta que, inicialmente descartado pelos criadores de abelha por ter uma coloração mais escura, o mel de melato só passou a ser valorizado após uma análise feita por pesquisadores da Alemanha, em 2008.
— Eles não quiseram provar o mel, mas quando fizeram a análise e perceberam as qualidades que ele tinha, compraram todo o mel que nós produzimos no Brasil — relata.
Depois disso, foi dado início ao processo de certificação da Indicação Geográfica do produto, que depende de um conjunto de fatores bastante curiosos e específicos:
- É necessária a ocorrência natural da bracatinga, árvore da Mata Atlântica, em regiões com mais de 700 metros de altitude.
- As árvores precisam ser infestadas por uma espécie do inseto cochonilha.
- Ao se alimentar da seiva da planta, as cochonilhas eliminam o excesso de açúcares na forma de melato.
- Esse melato é coletado por abelhas africanizadas, que guardam na colônia para consumo, resultando, então, no mel.
Porém, esse ciclo não ocorre todos os anos, apenas nos pares. Segundo a pesquisadora, em anos ímpares a cochonilha está muito pequena, resultando em pouca quantidade de mel.
Tanta peculiaridade na produção faz com que o mel de melato custe o dobro do mel comum, ou seja, até R$ 60 o quilo. Atualmente, 90% do produto é exportado e há espaço para ampliar mercado e produção. A região certificada engloba 135 municípios dos três Estados da Região Sul, mas só há 40 produtores associados.
— A indicação geográfica repercutiu em aumento de renda para os produtores com um produto totalmente sustentável, que mantém a vegetação nativa em pé, o cultivo de abelhas, a interação com o meio ambiente, que é justamente o que garante a produção desse mel — enumera a pesquisadora.
Mel branco de Cambará em busca de certificação

Produtora do já certificado mel de melato da bracatinga e de outras duas variedades, a apicultora de Cambará do Sul Liane de Oliveira Castilhos, 42, foi à feira pela segunda vez como participante para estar atenta ao mercado que interessa ao negócio da família.
Ela atua no processo que busca obter a certificação de Indicação Geográfica para o mel branco de Cambará do Sul, uma variedade mais clara e de sabor mais suave do produto, feito pelas abelhas a partir do pólen da árvore nativa conhecida como carne-de-vaca.
Com apoio do Sebrae, amostras do produto da safra de 2024 foram enviadas para análise. Na próxima safra, será necessário repetir as mesmas análises para comprovar que o mel é derivado do mesmo tipo de planta. Na expectativa de Liane, em até três anos a região pode ter mais um produto com origem certificada.
— Não é só o apicultor que ganha. Ele vai ganhar com o valor agregado que vem com a IG, mas a cidade toda ganha, porque passa a ter um produto que é único dali, só pode ser produzido com as características daquele lugar, e isso também vem sendo valorizado — afirma.