
Milhas, cashback, cupons de desconto para a primeira compra, frete grátis acima de determinados valores pagos, aplicativos que oferecem redução no custo de produtos, cadastros que fecham o perfil de compras para oferecer preços mais baixos. Com o orçamento cada vez mais apertado, estabelecimentos ou serviços com esses benefícios têm ganhado mais atenção dos brasileiros. Em Caxias do Sul, não é diferente. Se você faz compras, dificilmente não está cadastrado em algum desses programas, seja na farmácia, no posto de combustíveis, no mercado.
No país, a quantidade de cadastros em programas de fidelidade aumentou 11,7% na comparação do último trimestre do ano passado com o mesmo período do ano anterior. O dado é da Associação Brasileira das Empresas do Mercado de Fidelização. A projeção é de continuidade do crescimento.
Enquanto algumas opções são muito fáceis de compreender, porque são semelhantes à história de descontos no comércio ao longo do tempo, existem opções no mercado com nomenclaturas ou sistemas de funcionamento ainda menos conhecidos, como o cashback. Trata-se de um sistema em que a operadora do cartão de crédito oferece o retorno de um percentual da compra quando feita com esse recurso. O cashback também pode ser oferecido em um site, com a instalação de uma extensão no navegador de internet. Na hora de fazer compras, é preciso ativá-lo e, assim, em lojas parceiras, é possível obter a devolução de um percentual das compras em um período determinado.
– Quem consome pouco não consegue ver o benefício da milha ou aquela pessoa que não viaja. Então, o cashback acaba trazendo isso um pouco mais tangível. O cashback máximo que vejo no mercado é 1% do que as pessoas consomem. É mais ou menos parecido com aquilo que o emissor teria de gasto te dando a milha, mas é um benefício mais de curto prazo. Tu vê: o emissor do cartão realmente está me dando uma parte do que comprei de volta. Eu sei exatamente o quanto é. Normalmente, é em real mesmo. Então, se tu gastou R$ 1 mil, tu vai ganhar 1%, tu vai ganhar R$ 10. Então, ele é muito mais direto – compara o professor George Alba, do campus de Feliz do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS).
Sistema mais complexo

O pesquisador das áreas de marketing e economia assinala a questão das milhas, uma alternativa que faz sucesso entre curiosos e devotos. Associada normalmente às viagens, é vista quase como um passaporte por muita gente. Inclusive, nas próximas páginas, você confere histórias de "loucos por milhas", que as acumulam por motivos que vão desde uma viagem sonhada pelo filho até a obtenção de uma renda extra. Mas o que os personagens dessas histórias têm em comum é a atenção indiscutível a todos os movimentos necessários para garantir mais e mais milhas. São, sim, experts nisso.
– Para o consumidor médio, não há milagres. Para o consumidor que não está atento às diferentes promoções, aos diferentes operadores de cartões de crédito, aquele que não quer ser um caçador de recompensas, não há milagres. Claro que tem aqueles consumidores mais engajados. Hoje, tem fóruns na internet onde esses consumidores trocam ideias sobre operadoras que estão dando bônus acima do mercado. Esse consumidor, obviamente, vai gastar um tempo para adquirir esse conhecimento, mas ele consegue realmente ter benefícios melhores – destaca o pós-doutor.
A expansão desse mercado de milhas, pontos e cashback está associada também ao crescimento no número de bancos, fintechs, operadoras de cartão de crédito. E cada um desses serviços costuma ter regras diferentes para a utilização dos benefícios. Por isso, o professor Eduardo Trap Santarossa, do curso de Economia da FSG, sugere ficar de olho nas opções do mercado. Também fazer a conversão de milhas em dinheiro, mais um movimento que exige cuidado.
– Existem muitos sites que fazem isso e é sempre recomendável entender o histórico da empresa, o site que está propondo essa conversão, para saber se faz sentido, se vale a pena fazer esse tipo de movimento – orienta Santarossa.
Os especialistas apontam que quem tem volumes de gastos menores não costuma ver claros os benefícios das milhas, porque o sistema de conversão, na maioria dos casos, utiliza o dólar como parâmetro. Vale lembrar ainda que cartões com melhores vantagens costumam ter anuidade e, portanto, é preciso que esse valor entre na conta.
– Outro ponto interessante é olhar a data onde os pontos expiram. Então, existem programas que expiram datas muito longe, tem programas que expiram as datas mais perto. A gente tem que entender se faz sentido acumular uma quantidade x de pontos ou se vai demorar muito tempo para converter em alguma compra, algum benefício ou desconto. É necessário fazer também essa conta e não é tão simples. Para esse tipo de cuidado, é preciso ter um planejamento de gastos – adiciona o mestre em Economia.
Milhas para realizar viagens em família

O pequeno Francisco Maciel Balbinot, 7 anos, fez um pedido aos pais: quer ir à Disney. Para realizar o sonho do filho, a publicitária Rita Maciel Balbinot, 38, e o empresário Maicon Balbinot, 38, estão empenhados em juntar pontos no cartão de crédito para trocar por milhas. Enquanto a viagem internacional ainda está em planos mais distantes, a estratégia de direcionar os gastos nos cartões de crédito para se transformar em passagens aéreas é aproveitada de outras formas.
A família está com viagens marcadas para São Paulo, em novembro de 2022, e para Alagoas, em abril de 2023. Rita conta que, para garantir o uso das milhas, o casal utiliza o cartão de crédito para pagar todas as contas.
– Às vezes, até um simples lanche, eu compro no cartão do crédito, porque assim pontuamos.

Outra tática é ficar permanentemente atenta às promoções oferecidas, porque é possível até dobrar o número de milhas em determinados períodos definidos pelas empresas. Além disso, o casal já chegou a trocar de cartão, já que o usado anteriormente era menos vantajoso na conversão de reais gastos para pontos.
A família começou a usar o sistema de milhas há cerca de um ano. Para conhecer melhor o funcionamento dos programas, fez cursos gratuitos online e também acompanha influencers dessa área.
– Tem várias situações de consumo do dia a dia que, usando com inteligência, tu converte os gastos em pontos e faz teu dinheiro trabalhar para ti – salienta Rita.
A publicitária pontua, no entanto, que é preciso manter os gastos sob controle, para garantir o consumo consciente, já que há um risco de extrapolar no cartão de crédito em busca dos benefícios. A ideia, afinal, é conseguir gerenciar melhor os gastos e não os aumentar, explica.
Mais de 20 cartões para aproveitar as oportunidades
O engenheiro mecânico Rodrigo Vergani, 29, começou a estudar sobre a conversão de gastos em milhas em outubro do ano passado. De lá para cá, tornou-se praticamente um perito no assunto. Para isso, buscou conhecimento gratuito disponível na internet e, nesse processo, acumula hoje mais de 20 cartões, que utiliza estrategicamente. Ele explica, por exemplo, que um desses cartões é a melhor opção para a troca por passagens aéreas, mas também pode buscar outros benefícios, como salas vip para as viagens.
O interesse de Vergani pelas milhas surgiu a partir de um anúncio em rede social no qual ele clicou. A partir de então, passou a ser inundado com mais e mais informações. O primeiro passo, então, foi trocar o cartão de crédito por outro com melhor pontuação:
– A gente começou a concentrar todos os gastos no cartão de crédito. Com aplicativos, eu consigo pagar luz, água, condomínio, tudo mesmo no cartão – detalha.
Uma das estratégias utilizadas pelo engenheiro mecânico para as compras é buscar as opções dentro das lojas virtuais parceiras dos programas de pontos. Com isso, as compras pontuam melhor. Ele exemplifica: comprou um celular por cerca de R$ 3 mil, que viraram 30 mil pontos transformados em 60 mil milhas:
– Com isso, consigo uma passagem para o Nordeste ou uma de ida e volta para o Rio. Eu também poderia vender essas milhas. Em média, o mercado paga R$ 20 por mil milhas.
Com essas estratégias, Vergani foi em agosto com a namorada Daniela Romanzini, 30, para o Rio de Janeiro. Em setembro, o casal vai para Maceió, onde, além de utilizar os pontos para a passagem de avião, pagou o aluguel do carro e a hospedagem.
Usuários de milhas das antigas

Se for para usar uma expressão popular na internet, dá para dizer que o casal formado pela relações públicas Izlene Zortéa, 32, e pelo militar Lucas Henrique de Medeiros, 36, começou a usar milhar quando "tudo ainda era mato". Os dois utilizam esse serviço há mais de 10 anos. Desde então, estiveram em mais de 40 países. Nem todos foram visitados com uso do benefício, que é aplicado para a ligação com um dos países de destino. Dentro do continente, o deslocamento é feito com pagamento tradicional. Mas, ainda assim, as viagens foram facilitadas pelos programas, afirma Izlene:
– A nossa meta de vida é viajar. A gente trabalha para isso. Claro, no passado, era mais difícil, mas com o passar do tempo, foi ficando mais fácil. Como não somos ricos, sempre fomos pesquisando qual seria a melhor forma de viajar e chegamos às milhas – diz a Relações Públicas.
Há cerca de 10 anos, a oferta de informação na internet não era tão pujante como hoje. Foi o banco quem indicou o uso dos programas. O vínculo com a instituição se manteve, mas a mudança na renda do casal proporcionou também acesso a cartões que proporcionam trocas mais vantajosas.
– É um trabalho de longo prazo, tem que estudar, ficar alerta às promoções, mas é tudo de bom. A gente é muito defensor das milhas, porque olha a quantos países a gente conseguiu conhecer. E fomos descobrindo na prática e também perdendo, porque as milhas vencem. Não tínhamos tanto acesso à informação. Também era mais restrito e foi se ampliando. Hoje, mais companhias têm a oferta das milhas – comenta.

A principal tática para o casal, conta Izlene, foi a concentração de gastos em apenas um cartão. O casal também já emprestou o cartão para familiares para fazer compras e, assim, reverter os pontos para eles. A relações públicas alerta, no entanto, que esse é um processo que deve ser feito com cuidado e só para pessoas de estrita confiança, para evitar calotes.
Com as estratégias, o casal já esteve em diversos países da Europa, como Itália, França, Espanha, Portugal e Grécia. Também já foram a Dubai, Maldivas e Polinésia Francesa, por exemplo.
Milhas para renda extra

Além de viajar, os pontos acumulados pelo uso de cartão de crédito podem ser usados para a compra de produtos. Foi assim que a empresária Viviane de Cesaro, 36, começou a usar esse serviço anos atrás. Mas, durante a pandemia, ela percebeu que essa não era a alternativa mais vantajosa. Então, passou a transformar os pontos em milhas e a vendê-las em sites especializados. Essa alternativa entrou na vida da administradora mais recentemente, durante a pandemia.
– Hoje, o que eu mais faço é vender para ter renda extra, porque nem recomendo trocar por passagens para o exterior _ considero que é importante ter um agente de viagens. Mas, para viajar aqui no Brasil, vale a pena – assinala.
Viviane também é o tipo de consumidora que só usa cartão de crédito para todas as contas, inclusive de serviços como água e energia elétrica e paga até mesmo para os custos mais baixos. Outra dica dela é achar o cartão adequado, porque a maioria utiliza como base o dólar. Como a moeda norte-americana está muito valorizada, é preciso ficar atento para compreender se há opções melhores de cartão no mercado.
– Gosto muito de finanças. Foi esse o motivo que me fez ir atrás. Quando pensava em renda extra, sempre pensava em ações, mas tem que deixar o dinheiro lá parado. Então, por ter um valor tão alto disponível, pensei em outras estratégias e vi nas milhas uma oportunidade. Não estou fazendo nada demais. Estou transformando o que eu já gasto em dinheiro – comenta a empresária.

Segundo a administradora, mesmo que alguns cartões cobrem anuidade, pode valer a pena pagar essa taxa. Mas ela sugere que os consumidores também verifiquem quanto precisa gastar por mês para obter a isenção. Isso, claro, será ainda mais vantajoso.
Dicas para acumular milhas
- Escolher o cartão de crédito adequado;
- Avaliar se vale a pena concentrar todos os gastos familiares em apenas um cartão;
- Usar o cartão de crédito para pagar todas as contas, inclusive de serviços recorrentes (energia, água, condomínio);
- Ficar atento às condições de vencimento dos pontos e milhas;
- Usar as promoções que multiplicam as milhas;
- Buscar o conhecimento disponível na internet sobre o assunto. Inclusive, há cursos gratuitos.
Descontos em outras frentes

Se as milhas são o tipo de benefício que exige que o usuário seja um buscador de informações constante, outras formas de economizar são mais simples de serem calculadas. O empresário Roberto Pereira Chaves, 40, usa benefícios oferecidos em postos de combustível e também descontos em farmácias. Com isso, estima uma economia de cerca de 3,5% no orçamento da família, formada ainda pela esposa Natália, 36, e as filhas Cecília, 16, e Betina, 7.
– No cenário atual, todos os descontos fazem diferença. Principalmente combustível, que usamos muito – comenta Chaves, que está sempre procurando novas formas de desconto.
Quem também usa com frequência descontos fornecidos pelos postos de combustível por meio dos aplicativos é o representante comercial Daniel Alves Maciel, 40. Ele viaja profissionalmente pelas regiões Serra, Litoral e Norte do Estado e, sempre que é viável, procura a bandeira do posto em que está cadastrado para obter os descontos. A redução de preços é variável, explica. Costuma ficar entre 2% e 5%, mas também há dias em que é possível apenas juntar pontos para trocar em outro momento. Ainda assim, é possível tangibilizar a economia ao fim do mês:
– Acaba fazendo alguma diferença. No mês, eu ganho uma diária de hotel de cerca de R$ 100 – esmiúça o representante comercial.
Mercado em crescimento
O mercado de programas de fidelidade no Brasil deve crescer, nos próximos anos, a uma taxa anual de 13,8%. Isso significa sair de um patamar de US$ 2.679,9 milhões em 2021 para US$ 5.132,6 milhões em 2026. Se esse percentual se confirmar, ele será bastante próximo ao registrado no período 2017 a 2021, quando foi de 14,4%. As projeções constam no Relatório de Inteligência de Mercado dos Programas de Fidelidade Brasileiros (ABEMF). O diretor executivo da entidade, Paulo Curro, entende que esse cenário é resultado de um amadurecimento do mercado e da compreensão do brasileiro acerca desses benefícios.
– Há diversidade de opções de programas de fidelidade em vários segmentos desde um programa de fidelidade tradicional no cartão de crédito, onde você consegue depois converter por milhas, até setoriais. A gente vê programas no agronegócio, vemos também materiais de construção. Hoje, você tem inúmeras facilidades e também facilidade no uso aplicado desses programas.
O documento aponta que os comerciantes e marcas globais são os principais impulsionadores dos programas de fidelidade e recompensas no Brasil, enquanto ainda há escassez desses recursos nos negócios locais. No entanto, a expectativa é de que esse nicho venha se desenvolver e lançar programas de fidelidade nos próximos dois a três anos. Para Curro, a presença de pequenos e médios negócios em marketplaces é um aspecto importante para que esses segmentos ofereçam os benefícios. Ele salienta ainda que a ampliação do acesso à internet é um aspecto importante para o setor de benefícios:
– Eu acho que a internet veio pra desmistificar também um pouco essa questão de que os programas de fidelidade são apenas para grandes empresas, grandes estabelecimentos. Não, hoje a socialização desses programas é uma coisa real e está acontecendo principalmente através desses marketplaces.
SAIBA MAIS
- A taxa média de breakage, que mede o percentual de pontos/milhas que vencem, é de aproximadamente 15%. Essa taxa considera uma média de 12 meses. Os dados são da Associação Brasileira das Empresas do Mercado de Fidelização.