
À frente do programa Decora, do canal GNT, de 2016 a 2020, o arquiteto Maurício Arruda ficou conhecido por falar de design de interiores, arquitetura e decoração de forma acessível e descontraída. Atualmente no comando do escritório Todos Arquitetura, ele esteve em Caxias do Sul nesta terça-feira (23) para o evento Vozes da Arquitetura.
Em sua palestra “Perguntas pra vida toda”, refletiu sobre propósito, memória afetiva e sustentabilidade no design de interiores. Em entrevista ao Pioneiro, Arruda defendeu que a profissão vive um reencontro com sua essência ao colocar o cliente no centro do processo criativo. Além disso, deu dicas para o público em geral e falou sobre sustentabilidade. Confira os principais trechos:
Existe uma discussão sobre resgatar a essência da arquitetura, o que inclusive é um dos temas do evento. Você acha que, em algum momento, essa essência pode ter se perdido? Como você enxerga a evolução da profissão no Brasil?
Acho que a arquitetura evoluiu bastante. Hoje, percebo um momento de maior protagonismo dos clientes: pessoas que buscam escritórios não só para resolver uma questão estética ou funcional, mas para traduzir seu estilo de vida, seus sonhos, aquilo que querem experimentar dentro de casa. Para mim, isso é um reencontro com a essência da arquitetura: uma profissão que existe para refletir o morador. Como em qualquer área, às vezes nos afastamos do propósito, mas quando aproximamos o cliente do processo, estamos mais próximos da essência.
O programa Decora, que você apresentou de 2016 a 2020, contribuiu muito com o letramento do público sobre arquitetura e design de interiores. Qual o impacto disso na profissão?
O impacto foi positivo porque democratizou o acesso ao conhecimento sobre design. Não vejo como filtrar o protagonismo dos clientes. Pelo contrário, acho que precisamos filtrar o protagonismo dos próprios arquitetos, porque é uma relação que envolve também muito ego, né? O profissional que toma todas as decisões sozinho. A arquitetura não precisa ser marcada apenas pela “assinatura” do profissional. Quando há cocriação, quando o cliente participa ativamente das escolhas, o projeto se torna mais democrático, mais duradouro e mais afetivo. No fim, é mais sobre o morador do que sobre o arquiteto. Acho que o projeto mais difícil é sempre o que o cliente não quer participar.
Assim como na moda, quando se fala em tendências há sempre um risco de consumo descartável. Que perguntas as pessoas devem fazer antes de aderir a uma tendência de decoração da casa?
É importante diferenciar micro e macro tendências. As micro duram poucos meses e muitas vezes estão ligadas às redes sociais; já as macro refletem mudanças reais de comportamento. O exemplo do home office mostra isso: investir em uma cadeira de trabalho que não pareça de escritório, mas permita trabalhar em casa com conforto, é um reflexo de uma mudança de vida. Outro cuidado é não confundir tendência com código de pertencimento. Comprar algo só porque “todo mundo tem” é consumo, não tendência. É preciso se perguntar se aquilo realmente faz sentido para a sua vida.
Você costuma valorizar a memória e a afetividade nos projetos. Qual o teu macete preferido para dar uma nova vida a algo que a pessoa já tem, que está há muitos anos na casa ou na família?
As peças que elas perduram dentro de uma casa, junto com uma pessoa, junto com uma família, são as peças que conseguem acompanhar as mudanças que acontecem no nosso dia a dia. Então, se aquele móvel está com você até hoje, ele foi dando conta de ir mudando de ambiente, você mudou de casa, mas ele ainda faz sentido, você teve filho, mas ele ainda faz sentido, você mudou para uma casa menor, mas ele ainda serve para uma outra função. Acho que esse é um bom critério na hora das compras. Olhar para as peças e encontrar uma outra função que não necessariamente seja a função primária: uma mesa de centro que talvez possa ser uma mesa de cabeceira, ou usar uma luminária que pode ser usada em outro. Não limitar uma peça a apenas um ambiente, uma função.
Quais seriam três atitudes sustentáveis possíveis pensando em quem está começando, quem já aplica algumas práticas e quem quer dar um passo além?
No nível iniciante, a sustentabilidade afetiva: fazer com que os móveis durem mais, evitando o descarte. No intermediário, pensar na origem do que se compra: de onde vem o material, se pode ser reciclado, se já foi produzido a partir de insumos reciclados. Isso vale para madeira, tecidos, tintas, móveis, cerâmica. E, no nível avançado, a sustentabilidade socioeconômica: entender o impacto que a compra tem sobre uma comunidade. Priorizar o que é produzido no Brasil, por cooperativas, pequenas empresas, jovens designers. Essa escolha fortalece a cultura local e gera impacto positivo em cadeia.



