
Massa fofinha, coberta por molho de tomate e pedaços de queijo derretido. A gastronomia italiana foi fatal quando lançou no mundo a pizza. Democrático e versátil, o prato é unanimidade entre públicos distintos. Na Serra se consolidou com a cultura italiana em uma fusão com a criatividade brasileira.
Entre as centenas de pizzarias na região (e são centenas mesmo!), um segmento específico tem despertado a atenção pela experiência de provar o gostinho da Itália: as napolitanas, ou como se diz na Itália, napoletanas.
Não precisa ser especialista para deduzir que essas são as pizzas do estilo de Nápoles, cidade ao sul do país europeu. Ali, as famílias tradicionais desenvolveram um método muito específico, que hoje é compartilhado com o mundo por meio da Associazione Verace Pizza Napoletana (AVPN).
— Esse conhecimento, que vem de Nápoles, não pode ser resumido a uma simples receita. É uma filosofia de como a pizza precisa ser. O reconhecimento dessa produção é feito por uma validação criteriosa, que envolve uma equipe da Itália que analisa a técnica, os insumos e o espaço em que a pizza é feita — explica André Guidon, presidente da delegação brasileira da AVPN.
Técnica e tradição ao prato
Conforme as normas da AVPN, a pizza napolitana é produzida a partir de três pontos essenciais: a massa deve fermentar por 8 a 24 horas; deve ser aberta à mão; e o cozimento em forno deve levar entre 60 e 90 segundos.
Pode parecer complexo, mas aqui na Serra há um especialista que desmistifica todo o processo da verdadeira pizza napolitana. Para além da área turística de Canela, está a Abbiamo Pizza Napoletana, segunda a receber a certificação da AVPN no Estado e, até poucos meses, a única pizzaria escola da América Latina.
Quem assina os trabalhos — na escola e nas pizzas servidas — é Peterson Secco, pizzaiolo que se tornou referência nas técnicas napolitanas e que já formou mais de 50 pessoas da Serra, do Brasil e da América Latina.
— Esse curso é o primeiro passo para quem quer entrar no ramo. É uma imersão em turma, com até nove pessoas, em que a equipe da pizzaria e eu compartilhamos as técnicas. Tem muita gente da Serra se preparando para ampliar esse mercado e tem coisa boa vindo aí — antecipa.
O gostinho da Itália na Serra
O Rio Grande do Sul tem seis pizzarias napolitanas certificadas pela AVPN. Desse seleto grupo, quatro estão em cidades da Serra gaúcha. Além da Abbiamo Pizza Napoletana, pizzaria escola de Canela (que também abre ao público), Bento Gonçalves, Carlos Barbosa e Caxias do Sul contam com espaços essencialmente italianos.
O clássico dos clássicos no coração de Caxias do Sul
Uma pequena casa na Rua Alfredo Chaves, construída no estilo da década de 1950, abriga há cinco anos a Gesto Pizza. O espaço intimista no centro de Caxias do Sul foca, desde o início dos atendimentos, na produção da pizza napolitana.
No ano passado a Gesto foi certificada pela AVPN e recebeu o selo que oficializa o domínio da técnica. O destaque do cardápio é o sabor mais tradicional no universo da pizza: a Margheritta, composta por molho de tomate, queijo mozzarela de búfala e folhas de manjericão.
— Não dá para negar que o começo foi difícil. Estávamos descobrindo nosso estilo de fazer pizza e buscando pessoas dispostas a experimentar uma proposta diferente da tradicional pizza de Caxias. Acabamos criando uma experiência, tanto para quem conhece o prato, quanto para quem vai descobrir — comenta o sócio proprietário, Fábio Paesi Araújo.
Além do clássico, a Gesto também oferece seis sabores de pizza salgadas e uma opção doce. A pizzaria também tem entradas típicas da gastronomia italiana, como burrata e focaccia, para quem procura uma imersão gastronômica completa.
Portal para a Itália no porão da nona, em Bento Gonçalves
Imagine um porão de casa de vó, com artigos super comuns em décadas passadas, televisão de tubo, mesa de madeira com toalha xadrez. Essa é a ambientação em que as pizzas da Otto e Mezzo, em Bento Gonçalves, são servidas.
— A pizzaria surgiu a partir das experiências do meu irmão, Jorge Marini, no período que ele viveu na Itália. Quando voltou para o Brasil, decidimos abrir a Otto na casa dos nossos avôs. A ideia era servir com simplicidade e qualidade quem viesse compartilhar esse momento conosco — conta Cláudia Marini, sócia proprietária do espaço.
Aberta em 2018, a Otto e Mezzo Pizza Verace recebeu o selo da AVPN em 2022. Sob o comando de Jorge Marini, o espaço se tornou popular entre turistas e visitantes de diferentes região que passam por Bento Gonçalves. Após o falecimento de Marini, em agosto do ano passado, a pizzaria é coordenada pela irmã.
Entre os destaques da Otto está o pizza Antica, que além dos ingredientes tradicionais (molho de tomate, mozzarela de búfala, parmesão e cebola), leva um salame especial, produzido na Serra. O cardápio conta com outros oito sabores salgados.
Fusão da gastronomia italiana com muita brasilidade
Filé com gorgonzola, carbonara, chocolate com pistache. Sim, todos esses sabores, muito comuns em pizzarias tradicionais, também estão no cardápio de uma napolitana! Quando abriu as portas em 2019, em Carlos Barbosa, a Frasca Pizzaria Napoletana decidiu apostar em recheios já conhecidos, porém com outro preparo.
— Sempre fizemos pizza seguindo as técnicas napolitanas, mas decidimos oferecer sabores que as pessoas já conheciam. A gente percebia que o público se sentia mais à vontade para experimentar. Com o tempo quem pedia o filé com gorgonzola, começou a provar os sabores mais tradicionais — conta o sócio proprietário, Giovani Bavaresco.
Originalidade é o ingrediente central no trabalho da Frasca. Além do cardápio flexível, a pizzaria conta com duas experiências exclusivas para quem quer descobrir sabores: a speciale, recheio desenvolvido pela própria equipe, que varia a cada mês; e a sciarada, que o chef cria um sabor totalmente diferente do cardápio com base nas preferências do cliente.
No ano passado a pizzaria recebeu a certificação da AVPN, atestando que criatividade e tradição podem se complementar em harmonia. Ao todo, a Frasca conta 26 sabores de pizzas salgadas, oito pizzas doces (incluindo um sabor com uvas) e duas entradas clássicas.
Curiosidades sobre a produção napolitana:
- A verdadeira pizza napolitana tem o selo da AVPN. Sem ele, o espaço não é reconhecido oficialmente;
- Em 2017, a Unesco reconheceu o método de produção da pizzaria napolitana como patrimônio imaterial e cultural da humanidade;
- Existem dois sabores tradicionais de Nápoles e os mais populares em pizzarias napolitanas: Margheritta e Marinara.
- Pizzas napolitanas também podem ser doces! Isso porque o estilo do prato é baseado nas técnicas de preparo da massa.
- Diferente da produção popular de massas, que inicia pela farinha, o "método napoletano" começa pela água.
- Segundo uma lenda compartilhada entre os pizzaiolos, nos primórdios da produção não haviam balanças para medições. Por isso, o sal era adicionado na água até que ela se tornasse salgada como a dor mar. Nesse ponto, a farinha poderia ser adicionada.
- Toda pizza napolitana deve ter, no máximo, 35 cm de diâmetro e uma borda elevada, inchada e sem queimaduras, a chamada cornicione.
- Na Itália, esse tipo de pizza é levemente dobrada e comida com a mão. Deixar as bordas não é visto como um hábito educado.