
Armazenar cascas de frutas e legumes em um baldinho para, depois, depositar na terra, aproveitando a matéria decomposta como adubo, é uma prática comum a muitas famílias que viveram ou ainda vivem na zona rural da Serra; mas que acaba sendo nula à maioria da população que vive na realidade urbana. O tradicional "lixinho" que recebe os resíduos orgânicos nas residências e outros estabelecimentos gera, atualmente, um acúmulo de 360 toneladas diárias de rejeitos coletadas pelo serviço da Companhia de Desenvolvimento de Caxias do Sul (Codeca). Todo este lixo é destinado ao Aterro Sanitário Rincão das Flores, depósito que ocupa uma extensão de 10 hectares e licença para operação vigente até janeiro de 2023.
— Levar a sacolinha para fora de casa e depositar na lixeira da rua dá a sensação de que o problema não é mais nosso. Historicamente a gente foi se afastando cada vez mais disso, os aterros ficam distantes, a sociedade não quer ver isso. O problema é que quando a gente não vê, não entende o impacto gigantesco que aquela sacolinha, levada pra fora todos os dias, gera. Aquele lixo vai apodrecer no solo, gerando metano, além de chorume tóxico porque acaba indo junto plástico, pilha e outros metais que não deveriam estar junto — aponta o estudante de biologia Daniel Reolon, 25.
Foi com o intuito de minimizar os impactos ambientais gerados no cotidiano que ele desenvolveu uma forma de facilitar a compostagem doméstica, algo que pode reduzir a quantidade de lixo a ser absorvida pelo aterro. O projeto iniciado ainda na adolescência, a partir da observação do ciclo de decomposição e reaproveitamento da matéria orgânica como adubo na horta, foi oficializado no final do ano passado, em parceria com sua namorada, também estudante de biologia, Giovanna Marschner, 23.

Mais do que fornecer o material necessário para a compostagem doméstica, a Compostaggio se propõe a oferecer soluções ambientais, cursos, produtos e serviços que incentivem práticas sustentáveis cotidianas, como forma de contribuir para fortalecer a consciência ambiental e ecológica na sociedade.
Um projeto de vida
Assim como muitas pessoas de sua geração, os pais de Reolon deixaram a vida no campo para trabalhar e morar na cidade. A mãe de Flores da Cunha, e o pai, do interior de Farroupilha, acabaram fixando residência no bairro Colina Sorriso, em Caxias do Sul, para exercer as profissões de bancária e metalúrgico. O hábito de cultivar alguns alimentos foi mantido em uma horta, no quintal da casa onde Reolon deu início a seus experimentos, em uma observação iniciada ainda na infância.
— Desde que eu era pequeno a gente reaproveitava resíduos na horta, algo que muitas pessoas também faziam antes de começar a ter coleta. Aquilo virava adubo e, quando soube que a decomposição era acelerada com minhocas, fiquei ainda mais curioso, passei a buscar formas de facilitar este processo — relata o estudante, que dá continuidade à investigação no curso de Biologia da Universidade de Caxias do Sul (UCS), onde também atua como pesquisador na área de microbiologia, com foco na produção de energia a partir da decomposição da matéria orgânica, o biogás.
A relação de cuidado com o meio ambiente, segundo ele, foi incentivada pelo Movimento Escoteiro do qual faz parte, e ganhou forma em diversos projetos de sustentabilidade desenvolvidos ao longo de sua trajetória escolar. Aos 18 anos, como autodidata no assunto, Reolon deu início ao processo de compostagem em caixas, ainda com a finalidade de facilitar o processo de destinação do resíduo orgânico doméstico. Um ano depois, realizou a primeira venda do modelo de caixa que criou para a mãe de uma amiga.

Na faculdade, implantou um projeto de compostagem comunitária, com pontos de coleta instalados em laboratórios do curso e, no final de 2019, decidiu ofertar, a quem pudesse interessar, a possibilidade de compostar em casa. Desde então, segundo ele, a procura tem aumentado.
— Eu já estava fazendo pro pessoal do curso que me procurava e, depois que criamos a marca, a procura foi aumentando ainda mais. Além disso, com a pandemia, as pessoas passaram a perceber a quantidade de resíduo que geram e estão vendo que alguns hábitos precisam ser mudados — afirma Reolon.
— A compostagem tem um grande potencial, colabora para uma consciência em todos os sentidos, começando pela responsabilidade acerca dos próprios resíduos gerados. Senti a necessidade de passar isso adiante, começando pelo individual, para que depois isso se torne comunitário e envolva também políticas públicas de incentivo à essa prática — complementa o idealizador do projeto, que pretende iniciar, em breve um sistema de coleta residencial de resíduos a serem destinados para compostagem, mais uma alternativa a quem deseja minimizar os impactos gerados pelo lixo orgânico.
Afinal, o que é compostagem?

:: A compostagem é uma técnica limpa de transformar a maioria dos resíduos orgânicos produzidos em adubo (húmus) e biofertilizante, que podem ser aproveitados em hortas ou vasos de plantas ornamentais. Trata-se de um processo - com ou sem uso de minhocas - que favorece a decomposição da matéria orgânica a partir da interação com materiais como a palha, a serragem, ou mesmo vegetação seca.
:: A Compostaggio tratou de facilitar a prática por meio do fornecimento de kits que incluem um sistema de caixas em tamanhos adequados às necessidades de cada residência, condomínio, escola ou, até mesmo, empresas; a serragem a ser depositada gradualmente; minhocas Californianas que auxiliam no processo; além de um curso de manejo e suporte técnico. Os valores variam de R$ 325,00 a R$ 440,00, conforme a capacidade de armazenamento necessária.
:: Nem todos os resíduos orgânicos podem ser depositados na composteira. Carnes, limão, alimentos com alto nível de sal e laticínios são exemplos de resíduos que dificultam o processo de decomposição e podem causar mau cheiro. Dentre os itens liberados para depósito na caixa estão restos de frutas, legumes, verduras, cascas de ovos, guardanapo, filtro de café, erva de chimarrão, e até parte de embalagens de pizza.
:: Quando devidamente vedadas e corretamente manejadas, as composteiras não geram odor, podendo ser instaladas em qualquer ambiente, desde que permaneçam protegidas da chuva e da incidência solar direta.
:: As composteiras são de fácil manuseio, retribuindo em forma de adubo e, ainda, inspiração para uma vida mais sintonizada com a natureza.
:: Mais informações sobre compostagem podem ser conferidas nas páginas da Compostaggio no Instagram e no Facebook.
Incentivo à mudança de hábitos
Após três meses de compostagem, Gabriela Bianca Pacheco Gavazzoni, 23, adubou em janeiro, pela primeira vez, a horta que cultiva no apartamento onde vive com seu marido, no bairro Universitário, em Caxias do Sul. Ela diz que com a primeira caixa retirada conseguiu contemplar quase todos os vasos das cerca de 15 variedades plantadas, tendo sido a horta o principal motivo para a aquisição da composteira.

— Sempre gostamos de plantas e aqui no prédio não temos área verde comum, então decidimos fazer uma horta na sacada, com adaptações para otimizar o espaço, como o moragueiro vertical. Em outubro decidimos aumentar o cultivo e optamos por ter, também, a composteira, que veio ao encontro disso tudo, para com a possibilidade de reaproveitamento dos resíduos em forma de adubo. O resultado disso já está sendo visível — relata Gabriela, que é formada em Biologia e conheceu o trabalho de Reolon ainda na universidade, por meio do projeto de compostagem comunitária.
— Vi que não era uma coisa difícil e que realmente dava para fazer em casa. Acabou que minha mãe também ficou interessada e quis aderir — complementa a bióloga, que também teve como objetivo a redução do lixo orgânico produzido em sua residência.
Ela conta que tinha um certo receio em relação aos cuidados que o processo demandaria, ou mesmo dos odores indesejados que poderia causar.

— Não tivemos nenhuma dificuldade e realmente não tem cheiro, o kit acaba sendo bem prático e a consultoria ajuda bastante. A principal adapatação foi no sentido de passar a separar os resíduos orgânicos entre os que podem ou não ir para a composteira. Antes colocava um saquinho cheio de lixo pra coleta, todos os dias; hoje em dia, não passa de um a cada duas ou três semanas — comenta Gabriela.
A experiência da compostagem doméstica, para ela, também representou uma mudança no consumo de alimentos e outros itens que costumam ser descartados sem muita preocupação.
— A gente tenta compostar o máximo possível, então começamos a reparar em outros hábitos que poderiam ser mudados, como a bucha de plástico que troquei pela vegetal, por exemplo. São pequenas atitudes que podem fazer a diferença — conclui.