
Adoro a premissa que a maioria das pessoas é boa e solidária. Que em momentos de crise ou catástrofe os esforços somam-se em prol do bem comum. Não acho que seja uma falácia, mas também não tomo como verdade absoluta. Talvez porque situações de desigualdade do cotidiano sejam banalizadas e não provoquem mais espanto. Talvez porque exista muita gente pedindo ajuda e alguns não saibam como ou por que contribuir. Talvez porque empatia e educação sejam seletivas.
Lembrei disso ao receber a notícia de que há Sábado Solidário nesta semana: aquele projeto do Banco de Alimentos, onde voluntários reúnem-se em mercados parceiros para conversar com clientes e sugerir que contribuam ao final das compras com algum item. O material arrecadado é, posteriormente, distribuído a entidades e beneficia milhares de pessoas todos os dias. Ou seja, a doação de um quilo de arroz ou feijão, reverbera na melhora da vida de alguém. Pouco esforço, pouco gasto e bastante impacto social.
Durante muitos anos participei da ação, quase sempre no Zaffari de Lourdes, em Caxias. E possivelmente tenha sido um dos melhores experimentos antropológicos que já fiz. Vi gente com dinheiro contado separar uma parte para ser usada na compra de insumos para doar. Vi gente com carrinho cheio passar longe do ponto de arrecadação. Não tenho como julgar motivos alheios, então, só compartilho impressões superficiais sobre o comportamento aparente dos cidadãos. Percebi pais e mães estimulando crianças a levarem os alimentos aos carrinhos de arrecadação e achei uma forma bacana de mostrar a importância de se importar com os outros — mesmo sem os ver. E também gente com filhos pequenos ignorando uma tentativa de abordagem.
Durante as várias horas em que estive no mercado percebi algo relatado a mim com frequência por motoristas de Uber, durante perguntas que faço a eles sobre o dia a dia. Vários passageiros sequer os cumprimentam ao entrar no carro. Eu sabia como era isso: durante o Sábado Solidário, muita gente sequer retribuía o bom dia. Presenciei, inclusive, alguns conhecidos fazendo isso, sem notarem quem os cumprimentava. Achei interessante essa sensação de invisibilidade ligada ao contexto. E isso acendeu um alerta sobre a necessidade de, permanentemente, colocar energia boa no universo. Apesar de. Lembro de uma frase do poema Veleiro, de Matilde Campilho: “Walter Benjamin tinha razão sobre os círculos — quanto mais se roda em volta do amor, mais o amor se expande”. Que a presença e o olhar atento ao outro sejam antídotos — mesmo que silenciosos — para a apatia. Nem a invisibilidade dura para sempre.



