
Chuva forte. Alagamentos. Deslizamentos de terra. Áreas de risco. Desabrigados e desalojados. Especialistas revisitados. Tragédia climática iminente. Os últimos dias parecem déjà vu, aquela expressão francesa que traz a sensação de já termos vivido isso antes.
Um monte de factuais que, na vida de uma jornalista de redação, deixam a rotina ainda mais movimentada. Feriadão. Será preciso repensar os planos? Lembro que estamos em junho e já trabalhei 13 domingos. Talvez tenha créditos. Mas até para alguém como eu, que raramente perde as oportunidades de aproveitar a vida, a dúvida aparece: e se for algo parecido com maio de 2024? Tudo bem estar longe de casa? Do trabalho? Da rotina?
Estudiosos garantem que não será como antes. Amém. Mas as rotinas seguem impactadas. Encontro o escritor Marcelino Freire no aeroporto. Comento que ele fez o encerramento de um curso de poesia em que participei. Ele relata que a imersão que participaria no feriadão foi cancelada e ele voltaria a SP, apenas um dia depois de ter chegado ao RS. Falamos mais algumas amenidades, refletimos sobre o clima e o descaso para solucionar problemas pontuais e, antes de seguirmos caminhos distintos, compactuamos com a possibilidade de, ao menos, podermos seguir.
Hesitante, lembro a sentença que ouvi durante a semana, de uma motorista de Uber. Falávamos sobre a chuva — mais precisamente, sobre o impacto da chuva no humor das pessoas e no trânsito. E dos desafios que surgem para alguém que passa o dia todo dentro de um carro ouvindo pessoas.
— Sabe o que é? Eu nunca estou atrasada. Eu estou sempre no tempo certo — disse-me ela.
No desencadeamento da conversa, percebi que essa foi a forma adotada para ela não se estressar, nem com o atraso, nem com a pressa dos clientes. Entendeu que tem limitações e as banca mesmo em situações desgastantes. Achei uma percepção quase poética.
Quantas vezes “o mundo” (aqui, vale para quase todas as tarefas e os seres humanos) tenta nos mostrar — ou impor — que parecemos fora do tempo? Que não estamos nos esforçando suficientemente? Que poderíamos andar com maior velocidade? Muitas vezes, a gente apenas segue o fluxo. Não percebemos que já “estamos no tempo certo” e é só nele que as pequenas alegrias e possibilidades podem surgir.