Lembro-me de um beijo de boa noite e um cafuné no cabelo. Essa imagem da minha lembrança é um tanto turva, meio onírica. Era tarde da noite quando ela chegava do trabalho, eu já dormia. Com as mãos cheias do sobreviver de seus rebentos, ia até ao quarto pra me ver. Lembro-me disso e sinto-a aqui, seu toque suave caminhando por entre meus cacheados cabelos, seu cheiro indescritível, inebriante pra mim, o tal cheiro de mãe.
Ela acordava cedo e a lida já a esperava. Com uma resiliência que eu nunca vi igual e a altivez de uma rainha, saía todos os dias em busca de vida melhor para os sete filhos. Seguia rumo à vida como uma guerreira, empunhando espada, saindo a guerrear a cada nascer do sol. Ela no fronte, sozinha. Meu pai se foi cedo demais a deixando no mundo com filhos demais pra criar. Contrariando as possibilidades, ela criou, educou, formou gente boa, cheia de valores e dignidade.
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E, apesar da batalha diária, dos seus braços nunca faltaram abraços e, da sua boca, palavras de afeto e incentivo jorravam. Éramos ricos, não de metal, esse sempre foi escasso. Nossa riqueza se baseava em ter aquela mulher gigante, que nos envolvia na maior rede de proteção do mundo: o lar.
Eu não romantizo a luta absurdamente exaustiva das mães, são mulheres sobrecarregadas. Não precisava ser assim, tão sofrido, tão solitário. Se criamos filhos para o mundo, por que devemos fazê-lo sozinhas?
Quem pariu Mateus que o embale, diz a sociedade, há milhares de anos. Pois, eu creio que devemos nos dar as mãos e embalar Mateus juntos, dar a ele o melhor dos sonos, dos sonhos, o melhor dos futuros. Fazer de Mateus uma criatura digna. Sabe, todos nós fomos Mateus. E tem Mateus aos montes nascendo por aí. Precisamos parar de ignorar que as mães não são super-heroínas, são mulheres comuns, que precisam de descanso, amor e cuidado. Quem cuida de quem cuida?
Hoje, vivendo a minha maternidade, muito inspirada na minha criação e no exemplo de mulher que tive em casa, constato diariamente que é infinitamente mais fácil ser filha. Ser mãe é dureza, temos que tomar mil decisões por dia, ser o exemplo vivo de como nossas crias devem ser pra si, pro outro, pro mundo. E, dentro desse vulcão em erupção, conceber ternura, prover alimento, praticar boa vontade. Não menciono aqui os afetos que temos que dar, eles são nossa recompensa e valem mais que barra de ouro.
Encerrando, deixo um recado pra minha mãe: eu vi cada movimento sobre-humano seu, dia após dia, ano após ano. Manter dignidade e sorriso em meio ao caos é pra pouquíssimas pessoas, mas desconfio que foi você quem ensinou ao mundo que ele pode ser melhor. De mãe pra mãe, te digo agora e te disse sempre que pra ser versão superior de mim, só preciso ser a metade da metade da mulher que você é e foi. Obrigada por tudo!
Feliz dia, semana, vida, mulheres-mães!