A mulher que éramos, morre quando se dá a luz uma criança. Não literalmente, mas há um tipo de morte, de perda profunda, quando trazemos ao mundo um novo ser. Tudo o que fomos até então, desaparece. E como na explosão de uma supernova, nasce uma mãe. Uma mulher, que é uma criatura brilhante, resistente e que, acima de tudo, sobrevive.
Eu escolhi a maternidade de forma consciente. Eu quis ser mãe. Não me arrependo, porém confesso que acreditei no mito do instinto materno, que nos diz já estarmos preparadas desde sempre para essa aventura, que é criar gente. Tive fé que esse instinto iria me salvar do desconhecido. Bom, não salvou. Cá estou, viva, mas nem tanto. Em alguns dias, olhei para o espelho, depois de muitos dias sem dormir, me questionei se eu estava mesmo ali. E eu estava, ainda estou!
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Sabe, é que tem doído a maternidade. E como! E quanto! Faz pouco mais de dois anos que minha filha está aqui do lado de fora do meu corpo, mas ainda é parte de mim. É como se eu tivesse ganhado um novo membro. Imagino que dói perder um membro, porque eu sei que é muito doloroso quando um novo nasce em ti. Como um galho arrebentando a casca de uma árvore. Deve ser bem dolorido para a árvore. Imagino!
Desde que ela chegou, eu nunca mais descansei. Minha casca grossa foi rasgada e eu não tive tempo de recuperação. Corri de um lado para o outro, sangrando. Uma pessoa real dependia de mim para tudo, eu não podia falhar. Atendi demandas que eu nem sabia existirem. Tentei não errar, errando. Fui me capacitando, percorrendo a estrada, tropeçando muito. Criar gente é uma atividade, de fato, muito dura. Como não haveria de ser?
Confesso aqui que a cada dia tem sido mais fácil, não que o trabalho diminuiu, eu é que estou mais escaldada, mais ligeira, mais preparada. Sofro menos, sigo em frente. Como um trator, passo por cima das dificuldades, respirando fundo e entoando baixinho o mantra: vai passar, vai passar, vai passar. E vai!
O maior desafio da maternidade, para mim, é colaborar para que a cria seja um alguém mais humano para o tempo dela. Como em tudo nesse ofício, não há fórmulas ou manual. A gente segue tateando no escuro e, por incrível que pareça, acaba acertando. Aprendendo a ver na penumbra ou na total sombra.
Os dias vão passando, as crianças vão se desenvolvendo, e cada novo aprender delas é intenso como uma chuva de meteoros. Eu observo esse fenômeno bem de perto e muito atenta, um tanto chocada e muito feliz. Uma pessoa pequenina com superpoderes veio até mim, como infinita responsabilidade, me trazendo de presente uma plenitude em existir que eu ainda não entendo bem.
Ela até parece um milagre, nem parece gente. Crianças têm dessas coisas, né?! Dessas de parecerem divinais, evoluídas, melhor que nós. Já reparou? Elas têm uma coisa horrendamente bela em sorrir. Eu me espanto com a semelhança que elas têm com o sol: brilha, aquece, nutre o universo de esperanças, persiste no iluminar. É isso, crianças são astrais!