
Esta crônica sai no primeiro dia do inverno, aquele que é o menor do ano em horas de luz, pois a noite é a mais longa. Eu gosto de lembrar dessas datas, de solstícios e equinócios, como exercício de reconexão com o que é maior. Sei bem o quanto nosso cotidiano artificializado pelas engenhocas eletrônicas nos aliena da vida natural. Pior: nos vende — eis o verbo adequado — a ilusão de a tudo poder controlar pela supremacia de nossa vontade. Mas tanta soberba sempre será abalada pelo fato inegável de que outra vez é inverno e, gostemos ou não, teremos que lidar com as nuances da estação.
Enquanto escrevo, gotas de chuva tamborilam levemente no vidro da janela. Eu tento não render-me a uma melancolia quase lacrimosa pela sugestão explícita do clima. O celular sinaliza novas mensagens. No grupo da família, acertos sobre a ida aos festejos de São João no interior da Bahia. As estradas estarão cheias, avisam, convém sair cedo de Salvador. Em todo o Nordeste, este São João promete, pela emenda do feriado de Corpus Christi com o final de semana e a data da festa mais aguardada do ano. E só quem é nordestino pode compreender o valor dessa celebração.
Como nativo, devo tentar explicar o que significa o São João para aquela região do Brasil. Sim, há uma questão de tradição, de uma herança da colonização portuguesa que por ali vingou mais do que em outras regiões, até porque o Nordeste é mais antigo nessa história. Mas devo enfatizar o aspecto cósmico, esse mesmo que sinaliza a chegada do inverno na banda sul da Terra.
Inverno por lá é sinônimo não de frio, mas de chuvas, benfazejas chuvas contra a aridez deixada pelo verão tropical e inclemente. A alegria trazida pela estação invernal não é tão percebida nas capitais nordestinas, quase todas litorâneas e destinos turísticos pelas praias. É o povo do sertão que louva a temporada chuvosa. Por isso é uma festa do interior.
O poeta cearense Patativa do Assaré, com sua verve tão natural quanto genial, soube bem ilustrar a estação em versos: “Chegando o tempo do inverno / Tudo é amoroso e terno, / Sentindo do Pai Eterno / Sua bondade sem fim. / O nosso sertão amado, / Esturricado e pelado, / Fica logo transformado / No mais bonito jardim”.
E o poeta do sertão também soube contar, no dialeto próprio, do santo mais querido de junho, certamente o responsável pelo bom clima na terra: “Meu São João! Meu bom São João! / Santo do meu coração, / Repare e preste tenção / Quanto é lindo o seu festejo. / Repare lá do infinito / Como isto tudo é bonito, / Sempre digo e tenho dito / Que o senhor é sertanejo”.
Um verso do português Fernando Pessoa me devolve ao agora: “Do lado de cá, eu sem noite de S. João”. A chuva segue escorrendo pela vidraça. Faz frio. Tudo conspira para eu ceder à nostalgia e lamentar o estar aqui, sem noite de São João. Nisso o telefone toca. Uma amiga convida para um chá, diante da lareira. E eu vou correndo, o peito quente de afeto. Ah, quem teme o inverno quando o coração pode produzir sua própria fogueira?