Enquanto todos se perguntam quem matou Odete Roitman — aliás, pela segunda vez — retumba um sepulcral silêncio diante da iminente morte do dicionário.
Pois é, tô falando daquele manual que explica o significado e a grafia das palavras. Pobre dicionário, em desuso, seja em formato físico ou mesmo online. Em desuso, sim, porque diariamente enterramos vocábulos numa desesperada jornada para simplificar ao máximo a comunicação.
Num futuro distópico, cada dia mais próximo, tenho certeza de que os humanos não mais vão se expressar por meio de palavras. Voltarão a grunhir, a rosnar e a vociferar.
Por que deixamos a palavra “pacóvio” morrer? Como assim não sabes o que é pacóvio. O pacóvio é um parvo. Também não sabes o que é parvo? Somos todos pacóvios, em algum momento (em muitos, melhor dizendo) de nossas vidas. Ou seja, parvos, patetas, imbecis, tolos. Só os soberbos não se reconhecem, de quando em vez, pacóvios.
A cada minuto morre um dos vocábulos da Língua Portuguesa e ninguém se importa com isso. Alvíssaro, digo que, segundo a 6ª edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP), publicada em 2021, temos à nossa disposição 382 mil verbetes.
Desculpa lá, deixei-te confuso com a informação ou ainda ressoa em vossa mente “que raios significa alvissarar”? Tá vendo? Por vezes a falta de compreensão de uma palavra bagunça o sentido de tudo que veio antes ou virá depois.
Pensa, disse-te a pouco que existem mais de 380 mil palavras distintas e tu só consegues pensar “que raios é alvissarar”!?! Segundo o dicionário, “alvissarar” significa dar ou receber alvíssaras. Ou seja, dar ou receber boas notícias ou uma recompensa por elas. Simples assim.
Noutros tempos, por conta de uma crônica anedótica como essa eu seria xingado de sacripanta ou até de nefelibata e me mandariam em busca de um fármaco na botica. Algo que pudesse curar a minha insanidade.
Eu que sou sardônico por natureza e adoro caçoar, convidaria o tal escarnecedor para um convescote com drinks até a carraspana bater. Seria hilário. O risco seria, ao tentarmos apanhar o boné para darmos no pé, de estorcegarmos o tornozelo caso viéssemos a tombar, ébrios.
Nesses tempos tétricos e funestos, infaustos e até nefastos, o cara não pode nem tomar uma no bar da esquina. Periga cair no conto do vigário, trocando pinga por metanol. É por isso que, devoto à dionisíaca lei suprema in vino veritas, tomo emprestado o leme da nau de Fernando Pessoa e sigo, navegando a caminho do nada para lugar nenhum, sempre vinolento.




