Até outro dia tinha Feira do Livro na Praça Dante Alighieri. Nesses períodos, até parece que o livro é um objeto importante. Tem gente que faz até a lista de desejos pra ver se os encontra nas bancas dos livreiros. Mesmo quem passa o ano inteiro longe dos livros é flagrado folheando um aqui outro ali. Invariavelmente, mesmo quem nunca encontra tempo (ou paciência) pra lê-los acaba comprando pelo menos um exemplar.
É do jogo, dizem. E quem não tem mais livros por ler do que lidos que atire a primeira pedra.
Toda vez que me deparo com a célebre frase do escritor norte-americano Paul Auster (1947_2024), autor da trilogia de Nova York (Cidade de Vidro, Fantasmas e O Quarto Fechado à Chave) lembro da solidão do poeta Dante, ali na praça que leva seu nome.
A frase do Auster? Ah, sim. É essa aqui, ó: “A literatura é essencialmente solidão. Escreve-se em solidão, lê-se em solidão e, apesar de tudo, o ato de leitura permite uma comunicação entre dois seres humanos”.
Dante deve realmente ter escrito sua obra sem plateia, leitores seguem lendo-o em solidão, seguimos nos comunicando com sua obra mesmo depois de sua morte. Contudo, mais uma feira que se vai e fico com a sensação de que abandonamos Dante e “enterramos” seu legado ali mesmo na praça que leva o seu nome.
É só uma estátua, dizem, dando de ombros pra minha observação.
Toda estátua, antes de mais nada, é um símbolo carregado de tamanho significado que se torna ícone. Portanto, mais do que um objeto, a estátua do poeta, ali, estabelecida na praça, nos conduz através de um portal metafórico. Pena que muitos sequer sabem de sua existência.
Só mesmo um poeta pra resgatar outro. O poeta Dinarte Albuquerque Filho, natural de Cruz Alta — terra de Erico Verissimo —, e radicado em Caxias, lançou a obra Sob o olhar de Dante, evocando o poeta pra escrever um livro-reportagem sobre os 40 anos de Feira do Livro. Não fosse por isso, Dante teria sido apagado da programação — insisto — ali mesmo na praça que leva seu nome. É como se eu vos convidasse pra uma festa lá em casa e vocês me pusessem pra fora do convescote.
Que dramalhão, dizem, ridicularizando essa crônica, que, prometo, vai chegando ao final.
Lá na Divina Comédia, obra do poeta da praça, na subdivisão Inferno, Ulisses fala de seu último desejo de viajar além dos limites conhecidos, incitando seus companheiros: “Não fostes feitos para viver como brutos, mas para seguir a virtude e o conhecimento”.
Sozinho — e silenciado — o poeta Dante é só uma estátua. Velha, empoeirada e defecada. Que não sejam brutos, como aconselhou Ulisses.



