Na noite do dia 20 de agosto de 1989, sob a luz do luar minguante, Raul Seixas deixava pra lá a insulina, que usava pra controlar a diabetes e, sozinho, encarou a madrugada. No dia seguinte, por volta das 8h, o Maluco Beleza foi encontrado morto em seu apartamento em São Paulo. Oficialmente, a causa da morte foi pancreatite crônica e hipoglicemia. Dizem, sequelas do alcoolismo.
Cerca de um ano antes, em setembro de 1988, por conta do lançamento do álbum A Pedra do Gênesis, Raul disse:
— Sou louco mas coloco todo ano um disco de ouro na parada. Sim, estou sozinho. Um lobo solitário pra armar uma presa.
Dentro e fora de cena, Raul aprendeu a brincar com o personagem, esculhambando o coreto e confundindo os caretas. Flertava com o rock, mas mantinha um caso extraconjugal com a música brega. Amava as mulheres, só que amava ainda mais o desejo obcecado de ser livre — anarquicamente livre. Entre o ódio, o amor e o horror, metamorfoseava o dia em noite, o místico em afrodisíaco, o sangue no olhar do vampiro em um Corcel 73.
De porre em porre, o Maluco Beleza misturava uísque com lucidez, cachaça com maluquez, esperando por um disco voador antes da morte chegar. Aí, do nada, na pausa pro almoço, um cara se vira e me diz: “Esse dia tá com uma cara de velório, né?!”. E eu, pensando na morte do Raul, respondi que sim. O cara gargalhou, virou as costas e seguiu seu rumo. Olhei pro céu e vi um disco voador rasgar o céu azul e a Nil ainda dormia.
No dia do velório do Raul tentaram levar o corpo dele pra passear. Foi uma histeria danada. Gente rezando as canções do Maluco Beleza, chorando de joelhos, beijando na boca de quem não devia, clamando aos céus pra que Raul virasse logo uma estrela. Todo dia 21 de agosto, Brasil afora, devotos do Raulzito promovem shows, passeatas e saraus em parques, praças e encruzilhadas, entoando canções como se invocassem a alma do imortal Maluco Beleza.
Uma das canções mais celebradas, Sociedade Alternativa, fechou o show do Raulzito, acompanhado por Marcelo Nova, no Teatro de Lona, o templo do rock caxiense, em 14 de julho de 1989. Os fãs, cantando como se estivessem em um culto pentecostal, foram pra casa se sentindo como santos no altar, repetindo sem parar, como um manta sagrado: “Faz o que tu queres, pois é tudo da lei”.
Um mês e meio depois, numa madrugada de segunda pra terça-feira, Raul sonhou com o dia em que a Terra parou. Antes do disco voador chegar e de ser ceifado pela Morte, Raul disse:
— Eu sou, eu fui, eu vou.
Ou seja, ele não morreu, ele se deixou levar. Pra onde? Deve ser pro mesmo planeta onde moram malucos beleza como Glauber Rocha e John Lennon.




