Sensação de paz não é paz. É guerra.
Mesmo quando silenciam os tiros e as explosões? Mesmo quando silencio meus temores? Mesmo quando a densa neblina silencia o dia? Mesmo quando o peito sufoca o grito? Mesmo quando o verso estanca a sede? Mesmo quando a torrente inunda a terra, tornando-a muda, infecunda?
Farda. Coturno. Marcha. Em frente. Atacar.
Entre o céu celestial e a terra que há de nos devorar, o padeiro não sabe se vai chegar vivo em casa, o pedreiro não sabe se terá uma casa para chamar de sua, a professora não sabe se pode virar as costas para as crianças, a enfermeira não sabe até quando vai conseguir estancar a dor que verte dos poros dos que sofrem engasgados com a fumaça do terror.
Maré calma. Porta-aviões. Caças rasgam o céu. Segundos depois, o prédio vira pó.
Erguer muros é fortificar o território. É defender a nação. É afastar o terror. A sujeira fica debaixo do tapete. Não ver é esquecer. Não ver é apagar que existiu. A terra que nutre a vida agora tem a função de filtrar o sangue de tantas mortes por causa de mais um pedaço de terra. E nem adianta chorar pelo leite derramado.
Céu de chumbo. Medo. Coração de pedra. Raiva. O tiro à queima roupa.
Corre. Corre. Corre, desgraçado! Não pare. Não olhe para trás. Não se importe. Vai ser sempre assim. Se ficar o bicho pega, se correr o bicho come. A cruz é a espada. A degola nunca reprime a voz da sabedoria. Avançar, apesar da morte. Morrer, apesar da vida. Apesar do bebê mesmo que nunca reborne. O exército nunca é de um homem só.
A ilusão da casa. Casa vazia. Apesar do silêncio — e da falsa sensação de paz — o choro ecoa pela eternidade.
Afrontoso. Infame. E depois de tudo, sacudir a poeira, recuperar o fôlego e, com vigor, erguer um novo muro.
A marionete aprende a gostar do riso da plateia. Aprende a gostar de manipular a emoção da plateia. Aprende a despertar a lágrima, não por causa do texto, nem só do gesto, mas porque veste o personagem como se revelasse suas dores, suas angústias, suas queixas, suas amarguras. A marionete faz a plateia rir de si mesma, apesar do horror da guerra interior. Sua e de cada um que pagou pelo ingresso. A marionete, assim, se esquece que é marionete.
Chove. A vida urge. Bomba. Árido movie. Incêndio. O verso se insurge. Floresta definha. O pulso ainda pulsa. Até quando? Até quando? Até quando?
Há guerra, mesmo quando a falsa sensação de paz faz brilhar o olhar do guri jogando bola no parque com os amigos.