*O jornalista Daniel Angeli assina a coluna interinamente
A cada dia, o advento do pix tem feito com que as pessoas simplesmente ignorem a existência do dinheiro, de cédulas de dinheiro. Cheque? Quem ousa carregar? Quem ousa aceitar? Minhas lembranças vêm da adolescência, quando comecei a me tornar uma pessoa economicamente ativa. Eu tinha uma carteira. E tinha orgulho dela. Porque ela era “de marca”, comprada no Dedão (quem lembra?), no falecido Fedrizzi, no crediário.
Pois carteiras assim, que nem sei se ainda existem, na minha juventude, eram sinônimo de status. Entre a minha turma de amigos, o cara mais legal era o que ostentava a carteira mais recheada. E não só com cédulas de dinheiro. Até porque, o conceito de economicamente ativos, para nós, era ter alguma coisinha para gastar nos finais de semana. Eram documentos (todos, inclusive os que não precisavam ser carregados), moedas, fotos 3x4 da família toda (e do próprio dono), fichas de ônibus e de orelhão, camisinhas (sempre mais do que uma, para meses depois se transformarem em balões), talões de cheque inteiros (com 20 folhas!) e por aí vai. Enfim, sair com todo aquele aparato no bolso de trás da calça era legal. Nada prático, mas legal.
Por sermos seres perfeitamente adaptáveis, hoje vejo como algo impensável ter que sair de casa carregando tanta quinquilharia. Seguramente, faz mais de um ano que não vou a um banco ou a um caixa eletrônico sacar dinheiro. Logo, não recebo troco. Logo, não carrego moedas. E eis que surge um fenômeno cotidiano. Sei que não estarei contribuindo em nada para a solução da vulnerabilidade social se passar a dar dinheiro nas sinaleiras. Confesso, no entanto, que às vezes fico até sem jeito ao ser abordado pelos insistentes pedidos de R$ 1.
– Cara, não tenho...
Porque, de fato, não tenho. Não carrego moedas. Assim como eu, tenho certeza que muitos outros, hoje em dia, também não andam com niqueleiras para movimentar a economia das sinaleiras. E chegamos, então, a uma evolução desse fenômeno visto nas ruas. Não tem moeda?
– Consegue um cigarro aí, então, tio...
– Bah, é o último.
– Me dá esse restinho de Coca, então?
– Eu vou tomar.
– Compra uma coisa para eu comer?
– Tô sem tempo, amigo.
– Ah, camisinha tu tem, né?
– ...
É assim, já repararam? Qualquer coisa que você estiver portando naquele momento, vai servir. Em todas as esquinas, em qualquer lugar, até mesmo nos locais mais inóspitos surgem os pedintes, do nada. Pedir uma “esmolinha” na sinaleira tem evoluído para algo cada vez maior. Às vezes, chega a ser perigoso. Sim, pois existem os que ficam violentos diante de tantas negativas de moedas, cigarros ou Cocas.
Quando eu desfilava com minha gorda carteira “de marca” pelo centro não era assim. Bem longe disso. Por isso, se hoje saíssemos com elas, não tenho dúvidas de que voltaríamos quase sem nada para casa.