— Por que você não vai à praia amanhã de manhã?
— Ah! Dá aula à noite? Então é melhor não ir mesmo, pois você vai ficar enfadado.
— Sabe o que é enfadado?
De início, supus que sabia, com base no significado em espanhol (zangado, bravo). Mas logo percebi que não era a mesma coisa. Explicaram-me que se trata daquela sensação de profundo relaxamento depois de um dia no mar, quando não resta energia para fazer mais nada até a hora de dormir. Perguntaram-me como chamamos isso aqui no Sul. Nem temos palavra para descrever tal estado! Brinquei dizendo que, na nossa cultura, talvez nem consigamos chegar a esse estágio.
Ortega y Gasset escreveu: “Eu sou eu e minhas circunstâncias”. Podemos entender as circunstâncias como uma extensão de nós mesmos, já que nossas escolhas moldam a nossa cercania e nos colocam em certos lugares. Mas também é verdade que o meio ao redor é uma barreira contra a qual o “eu” — seja no sentido freudiano ou no mais popular — se esbarra o tempo todo. Se a linguagem revela o nosso mundo interno, também expressa a nossa relação com o exterior e, de certa forma, molda a realidade.
Descobrir novos lugares e desvendar novas línguas é expandir a si mesmo, abrir-se ao mundo para se tornar mais complexo e mais vivo. Falo, sim, de aprender idiomas e de viajar, mas não apenas isso. Entre os inconvenientes da intimidade — além da troca de maus humores e maus odores — o pior talvez seja acreditar que entendemos o outro. Frases como “te conheço muito bem”, “sei o que você quer dizer” ou “ninguém te entende melhor que eu” não passam de ilusões.
Compreender é raro, fugaz e quase sempre nos escapa em meio às distrações do cotidiano. Encontrar uma nova pessoa, reconhecer um amigo, um novo emprego — tudo isso exige aprender novas linguagens. E, no entanto, talvez nos aproximemos mais da verdadeira compreensão quando estranhamos uma palavra nova, quando nos maravilhamos diante de uma paisagem diversa ou nos encantamos com uma novidade — muito mais do que nas falsas certezas do “te conheço” nosso de cada dia.
Às vezes, basta uma palavra — só uma palavra — para abrir a possibilidade de uma experiência inteiramente nova. Uma palavra capaz de inaugurar em nós a chance de estranhar mais e de nos apaixonarmos mais por viver.



