Tradicionalmente, os vinhos de Champagne não são safrados. Ou seja, seus rótulos não indicam o ano da colheita — com algumas exceções que sinalizam uma qualidade extraordinária. Nos últimos tempos, no entanto, essa prática tem se tornado mais comum entre pequenos produtores, que vão além: informam as datas de outros processos importantes na elaboração dos espumantes mais célebres do mundo.
Até se tornar um espumante, a uva passa por três transformações fundamentais: a primeira fermentação, que origina o vinho; a segunda, que cria as borbulhas; e o envelhecimento, que confere complexidade, textura e identidade ao conjunto. Na enologia, convencionou-se usar o ano da colheita como referência, mesmo quando o vinho só atinge sua expressão plena anos depois. Um pouco como nós: escolhemos a data do parto para celebrar o aniversário — mas será mesmo aí que nascemos?
Talvez nasçamos antes, muito antes. Na concepção? Ou ainda antes, no instante em que nossos pais sonham, pela primeira vez, com um bebê. Talvez nasçamos depois, muito depois. Quando nos mudamos de cidade, por exemplo. Quando me mudei de Flores da Cunha para Caxias (“com todas aquelas ruas”, como canta o Miseri Coloni), senti outro nascimento. Ou, ao menos, algo despertou naquela criança que ainda insiste que o “r” deve vibrar. O primeiro beijo. A formatura. A primeira viagem de avião. O primeiro trabalho. No fundo, partes de nós nascem (e outras morrem) a cada instante. Quantas datas poderiam constar numa certidão de nascimento?
Cidades também nascem e renascem incontáveis vezes. E são concebidas por tantas mães e pais que não cabem numa genealogia. Os Kaingangs. Os imigrantes italianos. Os que vieram de outras cidades, de outros continentes. E aqueles que veem a luz pela primeira vez aqui. Caxias nasce e renasce a cada vez que se faz amor, a cada sonho com uma nova Cucagna, a cada novo empreendimento, a cada palavra falada ou escrita, a cada cor ou som criado por alguém à sua maneira, a cada futuro desejado.
Esta crônica também teve vários nascimentos: quando a imaginei, enquanto a escrevo, quando a revisar, quando a enviar ao Pioneiro, quando for publicada — e em todas as vezes em que alguém a ler. Mas vamos convencionar assim:
20 de junho, aniversário de Caxias do Sul — e meu também.
Feliz aniversário a todos que aqui sonhamos!