Caxias do Sul conta com aproximadamente meio milhão de habitantes, mas, muitas vezes, parece que o número de carros ultrapassa o de pessoas. Em certos dias, o trânsito se transforma em um desfile interminável: motores potentes, modelos reluzentes, cromados que buscam chamar atenção. Nem sempre por necessidade, mas, muitas vezes, para marcar presença.
Na minha infância, nos anos 1960, os carros tinham outro valor. Meu pai era mecânico, e a oficina onde trabalhava foi meu território de descobertas. O chão manchado de óleo, o cheiro de graxa e as ferramentas em silêncio ensinaram-me que cada automóvel exigia cuidado técnico e atenção aos seus pequenos detalhes, às suas singulares características. Cada carro, com seus motores, roncos e silêncios, carregava a sua própria história.
Meu pai desmontava e remontava motores como quem lê um livro, com paciência. Não consertava apenas: dialogava com cada engrenagem, respeitava o tempo de cada cilindro. O Chevette de um vizinho, comprado com sacrifício, recebia o mesmo cuidado que o carro de luxo de um empresário. Para ele, o valor de um automóvel não se media em marcas.
Hoje, tudo mudou. Um carro novo já não é reconhecido de longe: basta uma curva diferente no farol ou um detalhe no para-choque e logo anunciam um novo modelo. Eu mesma não guardo mais nomes nem identifico marcas, confundo tudo, e às vezes acho graça disso. Mas, olhando de perto, percebo que por trás dessa pressa não está apenas o movimento, há também a vontade de mostrar.
Ando pelas ruas e parece que a cidade inteira nos lembra, a cada instante, da corrida por carros novos. Nesse jogo, muita gente se perde em dívidas e em ansiedades para acompanhar lançamentos que, no fundo, pouco fazem sentido. A marca, o modelo, o ano, tudo isso acaba sendo apenas um detalhe de ostentação. O que importa é outra coisa: os carros podem ter sua beleza e utilidade, ainda que não sejam as novidades do momento.
Eu, que cresci vendo meu pai sujar as mãos de óleo para devolver vida aos motores, sinto falta daquele olhar. Falta o encanto de abrir um capô com calma, de ouvir um carro como quem escuta uma história. Talvez por isso, em meio ao excesso de buzinas e congestionamentos, ainda procure em algum canto da memória o silêncio da oficina de antigamente, onde cada automóvel tinha importância. E dirigir não era exibição, mas simplesmente seguir adiante.


