Cadê a vitrine que estava aqui? A que exibia manequins de cintura torta e vestidos que o tempo desbotava com delicadeza? Sumiu, e no lugar dela, um novo idioma de luzes brancas, anúncios com excesso de informações e preços que piscam em led.
O centro da cidade amanhece todos os dias sem a identidade de outrora. Poucas lojas preservam a história dos prédios antigos, raras cuidam da estética. As calçadas, que já guardaram passos de fregueses fiéis, agora veem multidões apressadas. As vitrines antigas eram mais lentas: nelas, o tempo ficava exposto. A poesia nos espelhos, o reflexo das senhoras, o som do sino na porta, tudo fazia parte da cena.
Essas vitrines não vendiam só produtos: contavam narrativas de desejo, elegância e pertencimento. Havia uma espécie de gentileza nelas. A cidade se via refletida nos vidros, no modo de viver da cidade, em seus domingos e em suas pequenas vaidades.
Hoje, as vitrines brilham demais e, mesmo assim não iluminam nada. São claridades vazias, feitas para durar o tempo de um clique. Algumas lojas mudaram para os shoppings ou fecharam de cansaço. O progresso veio vestido de conveniência.
A Avenida Júlio de Castilhos já foi bonita. Hoje o que se vê é desordem: prédios históricos que poderiam abrigar livrarias, cafés, restaurantes ou centros culturais permanecem vazios ou subutilizados. No lugar da beleza e da memória, surgem lojas de produtos sem qualidade e de gosto duvidoso. O centro perdeu a identidade que antes o tornava vivo; o fluxo continua, mas é um movimento sem história, sem encanto, sem poesia.
Talvez não seja só o comércio que esteja se perdendo, mas a relação entre as pessoas. Aquelas vitrines eram janelas de confiança, porque nelas se reconheciam rostos, histórias e gestos. Hoje, o vendedor conversa mais com o celular do que com o cliente.
Quando passo por ali, às vezes ainda vejo o reflexo antigo: uma sombra de manequim, o som de um rádio vindo de trás do balcão. E penso que, se o centro da cidade fosse um corpo, as vitrines seriam suas lembranças: lugares onde o tempo se detinha para respirar.
Mas o tempo, agora, não respira, corre. E as vitrines correm com ele.




