Sempre fui fascinada por chapéus — nos contos ou na vida real, eles sempre me chamaram a atenção. A cartola do Chapeleiro Maluco, com sua dose de excentricidade. O de caça de Sherlock Holmes, que parecia dar forma à astúcia. O verde pontudo de Peter Pan, símbolo da juventude eterna. O de Mary Poppins que sabia contar histórias e flutuar com o vento. O da Bruxa do Oeste, carregado de feitiço e mistério. Até o capuz da Chapeuzinho Vermelho me intrigava: uma cobertura que protege, mas também anuncia. Vermelho de infância, de travessia, de exposição. Presente da avó — sinal de afeto e de alerta.
Tempos atrás, conheci duas chapeleiras — ofício raro, quase extinto nos dias de hoje. Com elas aprendi que um chapéu nunca é só adorno: é gesto, espelho, escolha.
Dona Desa, de Porto Alegre, herdou da mãe não apenas a arte de moldar feltros, mas também a falta de polidez. Falava com ironia e sem rodeios, dizia coisas que até brincando doíam. As mãos eram habilidosas, mas a língua afiada afastava clientes. Suas frases marcavam: Tem cabeça que nenhum chapéu ajeita. Ou: O chapéu te serviu? Então, usa! E ainda: Apertou? Vai ver que é o ego que cresceu demais.
Já Dona Jaconi era o oposto: falava pouco e com discrição. Seu ateliê ficava entre a antiga rodoviária de Caxias e os sinos da igreja — um lugar suspenso entre partidas e chegadas. Diziam que seus chapéus alinhavam os pensamentos no centro da cabeça, guiando o coração.
Certa vez, uma moça achou alto demais o preço de uma encomenda. Dona Jaconi explicou com serenidade:
— Não foi feito só com linha, nem só com feltro — disse. — Tem tempo dentro dele.
A moça hesitou, depois sorriu, dizendo:
— Talvez eu só queira ver o mundo diferente.
— O chapéu é um bom começo — falou a chapeleira. — Às vezes, é ele quem escolhe você.
Dona Jaconi conhecia os rostos por trás da seda. Sabia quem escondia tristeza sob as penas, quem usava um pouco de cor para se camuflar. Suas caixas redondas não guardavam apenas acessórios: abrigavam histórias. Fragmentos de vida e de sonhos do cotidiano: noivas ansiosas, frequentadores de clubes, debutantes nos ensaios da vida, mulheres invisíveis.
Há chapéus que nos cobrem por fora. E há os que nos transformam por dentro. Os mais valiosos talvez sejam justamente aqueles que não servem em qualquer cabeça.
E quando não é teu, não adianta insistir. Chapéu que não te pertence, mais cedo ou mais tarde, aperta, escorrega... e cai.
Por isso, Dona Jaconi não tinha pressa. Sabia que chapéu bom era como escolha certa: exigia tempo, silêncio e gesto. Não vendia chapéus — entregava coragem moldada em feltro.





