Um dos amigos que mais gosto tem uma alma extremamente sofisticada. E é de admirável simplicidade. Imagino o quanto tenha investido para alçar-se a este grau próximo da perfeição. Pois é sempre assim: seres perspicazes e sensíveis excluem a arrogância. Sabem o quanto de grandeza há no fato de, após uma exaustiva observação de si e do mundo, escolherem aquilo que realmente conta. Isso transparece no jeito como se comunicam com as pessoas, sobretudo. Utilizam-se da linguagem não como uma forma de evidenciar aos demais o quão maravilhosos são, conscientes de seu “imenso” valor. Pelo contrário, expressam-se com elegância, usando vocábulos de uso corriqueiro. Sua grandeza está nas ideias proferidas. E ela costuma se manifestar nas mentes que descobriram o caminho da clareza como o ideal para fazer qualquer tipo de partilha.
É uma evolução gradativa essa, e está relacionada ao processo de maturidade. Conheci um eminente professor de Literatura que falava em um idioma (o português, no caso) praticamente inacessível. Tinha na complexidade uma bengala para realçar uma espécie de superioridade, elevando-se acima dos mortais. Transformava conversas em momentos parecidos com um compilado de verbetes de dicionário. E isto estava tão entranhado nele que dialogava dessa maneira até com o porteiro do seu prédio. Ao apontar esse fosso entre eles, sua resposta foi tão hermética e defensiva que mal fui capaz de captar o conteúdo.
Sim, demora muito para compreender que a necessidade obsessiva de se mostrar brilhante pode ser uma defesa. A comprovação de um sentimento de inferioridade mascarado por palavras eruditas e raciocínios obscuros.
Permitam-me uma autorreferência. Ao escrever um texto, minha preocupação fundamental é o entendimento. Troco frases inteiras se não atinjo esta finalidade. Foi um longo itinerário para chegar a isso, reconheço. Ao reler trechos de crônicas publicadas há quinze, vinte anos, por exemplo, deparei-me com certa dificuldade em apreender seu significado. Devia me sentir bastante inseguro para recorrer a tal recurso. Precisei passar por isso para “higienizar” as reflexões: a comunicação direta, visando alcançar o outro.
Evitemos o rebuscado, o ininteligível. No comportamento, no modo como nos relacionamos com as pessoas. Excluir, cortar, reduzir. Tal é a vida: um movimento em busca do essencial, da leveza. Revelar-se PhD em determinado assunto pode funcionar só para nos exibirmos. No cotidiano, na relação com quem é importante para nós, conta mesmo é o gesto refinadíssimo de um abraço, da escuta atenta. E, sim, a capacidade de extrair sabedoria, não complexidade. Levamos tempo para aprender esse grau de refinamento. Melhor começar ontem.