Olhamos em silêncio para o fundo insondável da água. E saltamos, primeiro eu, depois minha filha.
Era um calor que entrava pelos olhos e afundava o peito, naquelas paisagens que deixam de ser Caxias das cabras de aço para ser São Francisco de ovelhas no campo. Depois do assado festivo, deixamos o galpão da fazenda, indo a jusante do rio, rumo à cascata.
Uma trilha levava até a margem do rio, cujo nome ninguém sabia dizer. Descemos por uma clareira na floresta de pinus elliottii, cicatriz retilínea do corte de uma fileira daquela mata exótica e geométrica, assentada como implante de cabelo na calva de um homem.
Chegamos à primeira margem, espraiada num vasto lajeado. Lentamente cruzamos para a outra margem, onde alguma sombra lambia as rochas planas da beira do rio. Ali nos quedamos, as meninas em volta, brincando na água rasa. Chegavam até nós os gritos das outras pessoas que tinham ido à cascata, 100 metros adiante. Adormeci naqueles ruídos, lagarto.
O sol aliviava a pressão, cessavam os gritos. O rio ficava só, com seus rumores, quando então decidi ver a cascata, com as meninas. O grosso do rio embocava em uma queda monumental, caindo em um poço gigante, entre paredões. Outra parte generosa do rio fluía pela margem esquerda, formando um curso sinuoso e lúdico de minúsculas cachoeiras que só depois caíam no grande fosso. Ali a pequena Aurora brincava, sempre pelas mãos, até cansar e voltar para a mãe, na margem sombreada.
A outra menina, já não menina, permanecia a olhar longamente para o fundo da cascata. Num silêncio comprido, profundo, que começou no limiar dos seus 12 anos de idade. Descemos então até a beira do caldeirão. O lugar era um mistério de profundidade. A terceira margem daquele rio sem nome. Um mesmo pensamento nos unia, não revelado, não comentado.
Escalei uma rocha pontuda. Calculei, saltei na água. Voltando à tona, nadei até me ancorar nas pedras. Ela então refez cuidadosamente os meus passos: "Pai, posso?" Não havia fundo. Eu, coração basáltico, tardio aprendiz da água, tinha medo. Mas como negar-lhe aquele salto? "Vai, Clarice!".
Alcançamos outra rocha. Mais ao alto, mais ao fundo. Eu antes, mergulhando com meus demônios. Ela depois, saltando no ar, no seu profundo silêncio. O corpo submergindo no inconsciente do mundo; depois lentamente voltando até a superfície hiperoxigenada das quedas d’água.
Outro salto, ao fundo. Abro os olhos. Por alguns segundos não a vejo. Ela, boa nadadora, sorri atrás de mim: "estou aqui, pai".