Engana-se o leitor que julga ser esta uma crônica de futebol. É apenas um micromanifesto, solitário e irrelevante. Sabe aquela voz fora do tom no coro da igreja?
Mal acabava a derrota do Brasil na Copa do Mundo e os editoriais do país começaram a entoar um cântico sagrado, puxado pelo narrador oficial da nação: "Fica, Tite". De início passei imune, alienado que ando. Mas a cantilena é tão dominante que é preciso alguém dizer o contrário: sai, Tite.
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Razões, há: 7 x 1 sepultado, estreamos outra vez de salto alto no mundial; saímos abanando e rolando nas quartas de final. Em todos os jogos entramos dormindo em berço esplêndido e só acordamos no segundo tempo, ai que preguiça, até que os canarinhos belgas passaram voando e nos avisaram que estávamos de novo atrasados.
Nosso craque dos pés de barro foi endeusado, entrou em cena mimado pelos seus "parças", deixou a festa mais enfeitado ainda, fora da lista dos 10 melhores do mundo. E ainda piorou nosso índice global do complexo de vira-latas: somos o que sempre fomos, agora com o ativo simbólico de cai-cais do planeta.
Nosso técnico bancou hasta el fin um centroavante que, como Jesus, era um espírito na área, e assim sendo não poderia chutar a bola. Ele precisava de apenas um gol para telefonar à mamãe ao vivo em honra da publicidade de um pesado patrocinador da seleção. O treinador ainda levou e megavalorizou um goleiro que na hora do vâmo-ver não fez nenhum milagre – e milagres, por Jesus, fizeram todos os grandes goleiros da Copa.
Vésperas da Rússia, nosso professor com escala probatória no Corinthians – o centrão do futebol brasileiro – deu entrevista com status de presidente da república no Jornal Nacional: metAs, objetivOs, efetividadE, planejamentO, concentraçãO, harmoniA, valOres, moral e cívica & outras lições motivacionais com tais entonações foram irradiadas aos corações do Brasil: deu no que deu.
Gritar algo como "sai, Temer" é fácil e até divertido, estando o nosso vampirão lá em Brasília. Complicado é desnudar os pés de um santo que foi colocado no altar de uma capela do interior da serra, junto a São Braz.
Segue o coro nacional: "fica, Tite". Talvez porquê não há quem mais, nesse deserto de pessoas e ideias que nos tornamos. Mas, e o Temer? Logo ali estará sem agenda oficial. Técnico Temer. Talvez ele fale melhor o idioma da turma da CBF. Com o jeitinho dele, na inércia, certo que chegaremos às oitavas no Catar.