
O fascínio de algumas pessoas por história e genealogia se transformou em uma importante ferramenta para a pesquisa de processos de imigração no Sul do Brasil. Este foi o ponto de partida para a criação do geoColony, plataforma feita de forma colaborativa por voluntários, que muitas vezes só mantêm contato online, e que está no ar há mais de dez anos.
A origem do site está ligada às pesquisas feitas por Carlos Heuser, 75 anos, professor aposentado do Departamento de Informática da UFRGS. Há décadas, por gosto pessoal e interesse na história dos antepassados, ele garimpa informações sobre os imigrantes responsáveis pelo povoamento do RS, especialmente nas áreas de colonização alemã.
Esse hobby o levou a fazer contato com diversos pesquisadores, até que um dia ele foi abordado por um deles, chamado Otavio Boni Licht, geólogo também dedicado à genealogia. Amigo do Frei Rovílio Costa, um dos grandes investigadores da imigração no RS, Otavio recebeu do religioso um mapa elaborado pelo italiano Mario Sabbatini, que na década de 1970 estudou a distribuição dos lotes aos imigrantes que se instalaram na Serra a partir de 1875.
Pela curiosidade e pela habilidade profissional de geólogo, Otavio decidiu transplantar o mapa original para uma plataforma digital, e juntar a essa informação visual uma relação dos proprietários originais. Nesse trabalho, feito por conta própria por volta do ano de 2010, ele catalogou manualmente 24.208 lotes, dos quais foi possível identificar 15.171 proprietários.
Abaixo, usando o slider, você pode ver o mapa atual e a antiga divisão administrativa da Colônia Caxias.
De posse desse trabalho, Otavio procurou Heuser, com a intenção que o amigo, que era da área de informática, ajudasse na publicação online dos mapas e dados. A ideia foi muito bem recebida, e o então professor da UFRGS logo encontrou uma solução.
– Os alunos de graduação têm que fazer um trabalho de conclusão, e muitos gostam de fazer coisas práticas. Aí arrumei um aluno que se dispôs, e ele fez um protótipo que o Otavio adorou. Depois, mais dois ou três alunos se dedicaram, e sempre durante o semestre tinha alguém trabalhando nesse negócio. O Otavio foi passando outros mapas e eu apliquei georreferenciamento, colocando em cima do mapa atual – explica Heuser.
Assim, em 2014, após acréscimos e revisões, entrava no ar a versão pública do geoColony, nome inventado por um dos alunos que havia trabalhado no projeto, e cuja grafia vem, segundo Heuser, de uma convenção usada na programação. Na plataforma é possível visualizar geograficamente dois tipos de mapas: os digitalizados, que estão sobrepostos ao mapa da atualidade; e os vetorizados, construídos através de polígonos que representam os limites dos antigos lotes coloniais.
Usando Caxias do Sul como exemplo, o usuário pode viajar pela divisão geográfica da Colônia Caxias, criada em 1875 e assim renomeada em 1877. Para facilitar a administração e distribuir o território, a colônia foi dividida em 16 grandes unidades, denominadas léguas. Dentro dessas léguas, que em geral tinham formato retangular, foram criados os travessões, que serviam como linhas de referência para fazer a partilha dos terrenos aos imigrantes. A sobreposição dessa antiga divisão sobre o mapa atual é uma das funcionalidades presentes no geoColony.
Além disso, associado aos mapas há um banco de dados que armazena informações sobre terrenos, proprietários e sua localização. É possível, inclusive, fazer a pesquisa por meio dos sobrenomes dos povoadores. Esta busca ocorre por similaridade, o que permite encontrar pessoas mesmo quando a grafia, copiada conforme estava transcrita, não for a correta. Nomes equivocados estão sendo aos poucos corrigidos, conforme informações mais precisas são repassadas por usuários e visitantes do site.

A repercussão entre pesquisadores tem sido grande, e ao longo dos anos Heuser começou a receber mais dados, com materiais referentes a outros pontos, como áreas de colonização alemã, região central do RS e Santa Catarina. Do estado vizinho, inclusive, têm vindo as contribuições mais recentes:
– De Santa Catarina, neste último ano, dois jovens pesquisadores me passaram mais de uma dúzia de mapas da Região do Rio do Peixe. Às vezes até fico com medo de tanta coisa que vem, pois aqui é uma pessoa só, no caso eu, para fazer tudo.
O aumento da procura fez com que melhorias fossem pensadas, e uma reforma foi implantada em 2024. Heuser, que além de desenvolver o sistema é o responsável pela manutenção no ar, decidiu pela troca da plataforma original, o Google Maps, que por ter mudado o formato de operação criava a possibilidade de cobrar pelo serviço. Como o geoColony é um hobby e não dá rendimento, ele optou pelo Open Street Map, que além de ser gratuito, ainda facilita as atualizações de conteúdo.
– Eu queria melhorar o site pois ele estava estático. Toda vez que eu queria mudar algo, tinha que mudar o banco de dados, e como era complexo, acabava não fazendo. Por isso decidi fazer uma versão nova, que permite alterar dados mais facilmente. E o Open Street, até pela alimentação feita pelas prefeituras e por detalhes hidrográficos, se torna até melhor para este tipo de uso – explica o pesquisador.
Além dos mapas digitalizados e vetorizados, no geoColony há uma sessão de artigos históricos e uma relação de links para vídeos que dão dicas sobre como usar a plataforma.




