Perambulo pelas ruas refazendo os mesmos passos incansavelmente. De banca em banca, passo diante de livros e livros e penso no trajeto que os pés desenham por ordem do desejo: livros. A praça sobrevive em meio ao caos da cidade e debaixo da chuva, que todo outubro se faz presente, oferecendo espaço para os livros, as bancas, os livreiros, a literatura, os escritores, os leitores e todo tipo de pessoa que de uma forma ou de outra, se sente atraída a estar ali. De certo modo, há uma história que se escreve todo ano durante a feira do livro. Uma história de narradores anônimos, mais ou menos letrados, mas todos apaixonados por livro e leitura. Há um vagar poético que une desconhecidos. Essa gente bem esquisita que fica horas diante de um livro lendo as orelhas, a contracapa, o sumário, parte do texto. Depois devolve o livro, pega outro e tudo se inicia outra vez. A feira do livro constrói morada em nossos afetos. Lembro de frequentá-la desde pequena, com meu pai, claro, que me levava para comprar um livro, tomar um teem e comer pastel.
No perambular a observação. Vejo crianças, velhos, gente adulta, adolescente, pessoas com certa condição social e econômica, gente sem nada disso e fico com a sensação de que a feira do livro é um acontecimento muito democrático, pois coloca no mesmo espaço a diversidade da fauna que somos. A feira é um espaço de múltiplas narrativas. Dias atrás conversava com a Teca, essa artista e escritora que espalha suas poesias pela cidade (tenho certeza de que você já viu alguma delas por aí) sobre quem sabe colocar seus escritos num livro. Teca me olhou profundamente e disse: jamais, não quero que meus escritos fiquem presos dentro de livros que depois ficarão presos dentro das casas das pessoas, quero que fiquem assim, livres, soltos e que com o passar do tempo sejam esquecidos. Teca faz da cidade suas páginas.
O fato é que ninguém nasce amando ler, isso é apreendido pela experiência do convívio com alguém que seja leitor. Ou seja, para amar os livros é preciso a existência de mediadores de leitura, como meu pai, cuja memória mais viva que guardo dele era vê-lo circulando por entre as bancas e me dizendo que livro a gente escolhe cheirando. E então ele abria o livro e metia o nariz lá dentro. Mania que guardo até hoje. Preciso sempre sentir o cheiro do miolo do livro. Já com minha mãe aprendi a comer caqui, mas isso é outra história, embora a escolha também se dê pelo cheiro.




