O que fica na memória vai-se embora num piscar. Um apagamento lento e constante. Uma frase entrecortada, o sorriso querido da pessoa conhecida mas agora desconhecida e a sensação de estar perdida sem nenhuma testemunha. A memória é uma espécie de mapa de nossa existência. Perder a memória é perder-se. Mas há o outro e ele se lembra de nós, nos chama, convoca e por dentro sentimos a sobreposição das camadas do tempo. Fatiamos os acontecimentos em busca de referência como se virássemos páginas e mais páginas em busca de alguma anotação específica. E nada. Nenhuma informação ressurge das nossas notas de rodapé mentais e quanto mais há esforço em relembrar mais a cabeça teima em ficar vazia. Nestas horas me sinto como o coelho de Alice no país das maravilhas, atrasada para algo que me escapa. Me sinto em fuga com a tragédia instaurada de não ter para onde correr. Presa na situação incômoda de não lembrar. Mas os detalhes se apresentam e acrescentam a sensação de uma história já vivida, mesmo que por poucos instantes. Algo sobrevive e teima em manter-se ali. O perfume, o modo de falar, a mão, o formato dos olhos, o timbre da voz, algo entra por algum poro da mente e fica ali, reclinado. Onde foi mesmo que nos conhecemos?
A memória permanece à espera de uma luz de palavra que acorde a lembrança. E de repente, ah, sim, estava ali desde sempre, o nome, a história, o acontecido. Como isso fora esquecido? Tudo estava ali, silenciosamente, pousado no ombro do tempo. Daí, um respiro aliviado e a constatação: era isso. E isso nos dá uma falsa ideia de sobrevivência instantânea. É que não lembrar de algo diante de alguém que lembra é muito constrangedor. Parece que, em algum momento, houve desinteresse, o que não é verdade.
Eu, por exemplo, tenho vivido isso diariamente. A ginecologista disse que isso se chama “névoa mental” e acontece porque estou na perimenopausa. Apesar de ser algo muito comum em mulheres que passaram dos 40 anos é muito estranho e desconfortável esquecer palavras, nomes, datas, autores. Em conversa com uma amiga, ela me relata que estava em sala de aula e não lembrava como era o nome daquilo que conotava o substantivo. Então um dos alunos disse, adjetivo. É bem assim, esquecemos.
Daí uma sensação de conviver com uma pseudomemória. As palavras desaparecem e quando ressurgem, parece virem de uma periferia obscura e distante. Quando lembro das palavras faltantes é como se topasse com múmias de um museu no qual somente eu circulo. Por isso, já me antecipo nas desculpas, sobre o que mesmo?





