A rua transformou-se num lugar difícil. Embora ocupá-la seja urgente. Ocupar de gente que possa adiar a pressa, pois estamos sempre com pressa. Acorda, levanta, toma café, o dinheiro preocupa, as crianças preocupam, o trabalho preocupa, comida, banho, sono atrasado, pressa. A rua é o signo do tempo acelerado que vivemos. Passa carro, passa gente, passa o dia. A vida passa. A rua não é um lugar tranquilo. É a casa do incerto. Correria. Ando pouco a pé. Gostava de tirar um tempo para andar pelo centro, observar os rostos das pessoas, hoje tenho mais medo que prazer. Até porque mulher andando pelas ruas é sempre muito mal vista e, sim, o mesmo não acontece com os homens. A rua é um lugar perigoso para todos, mas para as mulheres, mais.
Isso lembra meu pai. Ele contava que quando trocava o turno na metalúrgica em que ele trabalhava, durante a ditadura, era perigoso andar em grupo pela rua. Eram aconselhados a andar um a um, distantes e sem conversarem entre si. E foi numa madrugada destas, pois ele trabalhava durante à noite, que fora parado para dar explicações de porque passava sempre a mesma hora por aquela rua. Na época meus pais não tinham telefone em casa, então ele não conseguiu avisar minha mãe do que estava acontecendo. A mãe prefere não falar no assunto até hoje, resume o fato ao dizer apenas que um imenso desespero a tomou por dias. O silêncio das horas que se alongaram forjaram o medo de andar pelas ruas outra vez. Demorou anos para que ele voltasse a aceitar parceria durante o caminhar. Uma forma de desarticulação. Pessoas sozinhas são mais facilmente dominadas. As ruas presenciaram o inóspito do tempo.
De certa forma, o outro é uma ameaça. Talvez por isso somos tão afeitos a voltar rápido para nossas casas assim que o trabalho se encerra. É claro que o frio ajuda e o tempo chuvoso facilita o pouco engajamento. Mesmo no verão, olhamos para a rua e sentimos uma certa sordidez ainda mais se for tarde da noite.
A culpa nunca foi da rua. Circulo pela cidade, quando posso. O ritmo do meu andar não compõe melodia. Ando com pressa, como quase todo mundo. Diluída no mundo, deslizando por entre as sinaleiras, arrisco olhar o em torno. Aperto o passo. Se perguntássemos para qualquer mulher se já se sentiu insegura na rua, tenho a certeza da resposta. Por isso, talvez devêssemos andar coletivamente, para que o grito que ecoa não se perca no abismo do silenciamento. Sim, com pressa, pressa de encontrar uma sociedade mais segura para todos e todas.