
Por Deniz Anziliero, diretor da Escola do Agronegócio da Atitus Educação
Quando a COP30 finalmente se reunir em Belém, em 10 de novembro de 2025, não será apenas mais uma conferência climática: será um espelho que o mundo vai levantar contra o Brasil e, sobretudo, um momento decisivo para que o agronegócio nacional assuma, de fato, seu papel transformador, e não defensivo.
Belém não foi escolhida por acaso: sediar a COP no coração da Amazônia coloca o Brasil sob os holofotes. É uma oportunidade sem precedentes para mostrar que a floresta e a agricultura tropical não estão condenadas a conflitos, mas que podem ser parceiras em soluções climáticas.
Ao mesmo tempo, também carrega riscos: discursos prontos que vinculam o “agronegócio” ao desmatamento cúmplice, narrativas unilaterais que ignoram os produtores que respeitam a lei e os biomas.
Nas últimas semanas, notou-se atenção especial à “disputa de narrativa” que o setor enfrenta - inclusive com a criação da Agrizone pela Embrapa, espaço paralelo à COP, financiado por entidades do agro, para reforçar sua visão de “potência agroambiental” diante de uma plateia global.
A iniciativa faz todo sentido! Se não estivermos bem estruturados, com voz, argumentos sólidos e moral alta, corremos o risco de aparecer como quem justifica erros — e não como quem oferece soluções.
O agro brasileiro é parte da solução, portanto, não pode ficar à margem
DENIZ ANZILIERO
diretor da Escola do Agronegócio da Atitus Educação
Desde o discurso público até documentos técnicos, o setor agropecuário tem pressionado por reconhecimento legítimo nas negociações climáticas. A CNA entregou ao governo e parlamentares o documento “Agropecuária Brasileira na COP30”, destacando que práticas sustentáveis, adaptação de cultura tropical e mitigação devem ser medidas por métricas calibradas para o Brasil — não por modelos temperados incompatíveis.
Há consenso de que o gargalo decisivo é o financiamento climático. Os produtores não podem esperar que o setor público — sozinho — leve todo o esforço. Precisamos de linhas de crédito específicas, financiamentos verdes, seguro climático, redução de juros e custos de transição — não na forma de subsídios pontuais, mas como política estrutural.
Também é central que o Brasil reivindique e negocie no Global Stocktake (mecanismo de revisão do Acordo de Paris), que os indicadores globais permitam refletir sensibilidades nacionais e setoriais, e reconheçam o esforço que já fizemos para mitigar emissões no agro.
Entre o discurso e a prática: exemplos que falam alto
Imagine uma pequena fazenda familiar no Mato Grosso, que optou por integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF). Ela reduz emissões, melhora o solo e garante renda extra com madeira ou biomassa — mas, se essa fazenda não tiver crédito acessível ou assistência técnica, o impacto fica restrito.
Padrões internacionais rígidos não reconhecem que, em regiões tropicais, a produtividade sustentável pode requerer margens menores — mas de valor agregado maior.
Ou pense no produtor amazônico, que convive com insegurança fundiária: sem título de terra, não consegue crédito para investir em recuperação de pastagens ou florestamento. Se, ao mesmo tempo, for visto como “problema” climático, ele será penalizado duplamente.
São nesses pontos que a COP30 pode fazer diferença real, ou reagir como um evento distante, cheio de retórica
DENIZ ANZILIERO
diretor da Escola do Agronegócio da Atitus Educação
Caminhos para Belém: o mapa de ação
1. Unir forças: setor, ciência e Estado
O Brasil precisa entrar na COP com um bloco articulado, onde pesquisa (Embrapa, instituições) e os diversos portes de produtor falem com a mesma voz. É o único modo de resistir à fragmentação do discurso.
2. Narrativa forte, transparente, consistente
Temos que disputar a narrativa: não somos causa única de problemas, mas somos parte essencial da solução e com responsabilidades próprias. A Agrizone pode ser palco, mas não pode ser palco que encobre desafios reais.
3. Negociar condições justas
Pedir que se reconheça a agricultura tropical, que se adaptem métricas e que se criem mecanismos de transição justa, com apoio financeiro real e não simbólico.
4. Visibilidade de práticas bem-sucedidas
Demonstrar projetos replicáveis, que combinam produtividade e carbono, inclusive levando diplomatas e observadores ao campo: não apenas falar, mas mostrar o que já estamos fazendo e como podemos escalar.
5. Pressão internacional e diplomática
Devemos articular cooperação internacional em pesquisa, crédito e parcerias, mostrando que países desenvolvidos têm obrigação histórica de participar (em financiamento e tecnologia) dessa jornada.
6. Um apelo que nasce da terra
A cada safra, a cada goteira que vence seca ou inundação, o produtor brasileiro conta uma história de adaptação, de quem não espera que o mundo resolva por nós. A COP30 pode se tornar o momento em que essa história seja ouvida, compreendida e reconhecida e não apenas questionada.
Convidamos o leitor, gestor público, parlamentar, intelectual, cidadão, a refletir: que Brasil queremos? Um país que exclui o campo da agenda climática ou um país que assume o protagonismo de quem produz alimento, emprego e soluções de baixo carbono? A COP30 nos oferece o palco. Mas cabe a nós escrever o roteiro.
Que Belém seja a cúpula em que o agro brasileiro deixa de ser coadjuvante e se torna, definitivamente, parte da voz que aponta caminhos sustentáveis, prósperos e inclusivos para o futuro comum.
Deniz Anziliero é diretor da Escola de Agronegócio da Atitus Educação. Entre em contato através do e-mail deniz.anziliero@atitus.edu.br.





