
Por Jocélio Nissel Cunha, presidente do Hospital de Clínicas de Carazinho
A Câmara dos Deputados aprovou na última quarta-feira (1º), sem nenhum voto contrário, projeto de lei que trata do aumento da faixa de isenção da tabela do Imposto de Renda (IR) para R$ 5 mil mensais. Atualmente este limite da tabela progressiva do IR esta em R$ 3.036.
Entretanto, para compensar a isenção, o projeto prevê a tributação progressiva na fonte dos lucros e dividendos distribuídos pelas empresas em até 10% sobre o valor acima de R$ 50 mil mensais ou R$ 600 mil no ano, medida conhecida como taxação dos chamados “super-ricos”. O projeto agora segue para análise do Senado Federal e, após, para sanção presidencial.
Mas quem vai pagar esta conta será também o trabalhador, direta ou indiretamente, quando for ao supermercado fazer compras, abastecer o carro ou procurar emprego.
A ideia de aliviar o Imposto de Renda da base da pirâmide tem mérito, afinal, a tabela progressiva esta defasada há muitos anos, mas o caminho escolhido para compensar essa renúncia fiscal, onerando empresas e profissionais liberais que retiram lucros e dividendos de seus negócios, após a tributação já ocorrida na pessoa jurídica, mostra uma inversão total de prioridades.
Em vez de cortar gastos públicos, combater privilégios e rever a estrutura inchada e ineficiente do Estado, o governo opta mais uma vez pelo atalho fácil, qual seja, aumentar impostos para quem efetivamente produz, gera emprego e faz girar a economia no Brasil.
O debate correto, e que permanece engavetado, deveria ser outro: por que o Brasil ainda não fez uma reforma administrativa séria? Por que continuamos sustentando um Estado caro, burocrático, com salários e benefícios muito acima da média do setor privado, enquanto se repassa a conta para quem empreende e trabalha?
Sem enfrentar os verdadeiros ralos do orçamento, altos salários, privilégios no serviço público, aposentadorias desproporcionais e ineficiências crônicas, resta ao governo mirar no setor produtivo como forma de gerar arrecadação
JOCÉLIO CUNHA
presidente do Hospital de Clínicas de Carazinho
E isso, historicamente, não dá certo, pois afasta investimentos e gera inflação. Com a tributação sobre lucros e dividendos, o impacto não se restringe aos grandes empresários. Pequenas e médias empresas, que representam mais de 90% dos negócios do país, sentirão o peso da nova carga tributária. E, como sempre, o repasse virá em cadeia: menos investimento, freio na contratação de pessoal e aumento de preços para o consumidor final.
Em bom português, o pão vai ficar mais caro, o serviço mais demorado e o emprego mais escasso. Ao tributar os lucros, muitos empresários simplesmente repassarão esse custo aos produtos e serviços. O trabalhador que hoje aplaude a isenção do IR, amanhã sentirá o efeito silencioso da medida quando seu carrinho de compras custar mais.
Repercussões
A Federasul, em conjunto com várias ACIs do Estado, se manifestou a favor da isenção de IR até R$ 5 mil a partir de uma reforma administrativa e de gestão, onde o governo faça o dever de casa cortando privilégios e o mau uso de recursos públicos, e contra o aumento de impostos:
“Manifestamos total contrariedade à tributação dos lucros, resultados e dividendos prevista nos projetos de lei 1.087/2025 e 1.952/2019, que prejudicam ainda mais o ambiente para investir e gerar desenvolvimento social e econômico, inflacionando preços e retirando renda de quem consome e produz”, disse o presidente da Federasul, Rodrigo Costa.
Na mesma linha, a OAB/RS, também manifestou ser contrária a criação de mais este imposto no Brasil:
“Segundo nossos estudos, com todos os dispositivos de lei que estão em tramitação e somados aos que já foram aprovados, nossa tributação, enquanto pessoa jurídica, pode chegar a 44%. Este é um percentual para quem é sócio majoritário de um negócio. O Estado não é nosso sócio e não tem direito de ser porque não corre o risco que corremos em nossas atividades e nem trabalha para nós. O suor é nosso e os riscos do negócio também”, afirma o presidente da OAB/RS, Leonardo Lamachia.
Se o objetivo é construir um sistema tributário mais justo, o primeiro passo deveria ser dar o exemplo: cortar na própria carne. Mas mexer nos privilégios do setor público, rever a máquina estatal e enfrentar corporações organizadas parece ser difícil demais. Assim, recorre-se ao velho expediente, onerar o setor produtivo e repassar o impacto à população.
O resultado, um tiro no pé, um alívio pontual e momentâneo para o contribuinte de hoje e um custo silencioso que pesará no bolso de todos amanhã. Tributar lucros e dividendos pode parecer justo no discurso, mas é o tipo de medida que agrada no palanque e decepciona nas prateleiras dos supermercados.
Jocélio Nissel Cunha é presidente do Hospital de Clínicas de Carazinho (HCC), vice-presidente da ACIC Carazinho e membro do Conselho Superior da Federasul.



