Por Cassio Grinberg, consultor de estratégia e autor dos livros Desaprenda e Desinvente
Chegou aqui hoje um tema de casa do colégio das nossas crianças, para o qual elas precisaram nos entrevistar em busca de registros da história de descendentes: nomes de casais, anos de chegada, motivos da vinda.
Começando pelos motivos, lidera a lista o antissemitismo e a esperança de que, longe da velha Europa, existisse um lugar onde a liberdade fosse mais universal e sonhar fosse mais possível. Mas não é apenas disso que estou falando.
Certas palavras, ditas no microfone da ignorância, deixam escapar, justamente, o quanto análises superficiais e até mal-intencionadas subestimam passado, presente e futuro de qualquer comunidade judaica
Perdi já minha mãe, meu pai tem certa idade, o grupo dos primos é apenas hipótese, até porque pouco era falado em casa. Sabemos que as vindas datam de 1910 a 1930, que o caminho passava por empreender comprando regateado e vendendo com táticas — lembro, é claro, da história de quando o vô Gregório, comerciante de casimira com 10 anos de idade, viu pela primeira vez o mar.
Sei que trago em mim os Grinberg, Sclovsky, Druck, Keisermann, Kamiansky, Scliar, e que para meus filhos também passaram os Saltz, Alcalay, Frucht e tantas outras famílias cujos nomes nunca saberemos todos, mas que nos orgulham com sua atitude de migrar e nos divertem com aquela mishgass (loucura, em iídiche) que sabemos que, no fundo — às vezes, não tão fundo —, também temos.
Mas o que sabemos, também? Que, mesmo sem internet, o antissemitismo já estava por aqui: quando meus tios brincavam na calçada e vinha alguém acusar “foi você que bateu no meu irmão, né, judeu?”. Mas que também havia gente que abria portas nas quais insistíamos em bater, e que depois vinha bater também na nossa — afinal, tinha um aroma de blintzes (pasteizinhos judaicos) que enevoava as janelas da Rua Santa Terezinha.
Todo esse exercício delicioso que me fez hoje lembrar, acionar, telefonar aos mais velhos, receber fotos de passaportes antigos, me faz também refletir em como certas palavras, ditas no microfone da ignorância, deixam escapar, justamente, o quanto análises superficiais e até mal-intencionadas subestimam passado, presente e futuro de qualquer comunidade judaica: em Boulder ou Neuilly-sur-Seine, em Berlim ou Porto Alegre.