Por Rodrigo Carpi Nejar, promotor de Justiça e Escritor
Escultor renomado, meu amigo Bez Batti, quanto melhor fica, tanto mais se aventura a revisitar sua infância, como se estivesse se credenciando a fazê-lo. Creio que hoje já a enxerga em sua real valia, com o olhar treinado do desenhista. Temos a afinidade das pedras, pois, em meu sítio, eu as planto, pavimentando pátios e caminhos incas. Ele as cultiva, assegurando que tenham voz, pela conformação da visão. É uma conversa tátil, com todos os seus alinhamentos.
Percebi que, já maduro, havia encontrado um amigo de infância
Em visita à sua exposição, a mostra Reflexos da Existência, na Galeria Delphus, em Porto Alegre, de 29 de maio a 27 de junho de 2025 -, no evento de inauguração, levei comigo uma pequena pedra que havia desenterrado, em meio ao serviço de capina, cujo relevo guardava marcas semelhantes às produzidas com o uso de cinzel. Ao abraçá-lo, em meio à movimentação intensa do público, entreguei-a, afirmando que lhe traria sorte. Em retribuição, de pronto, ele presenteou-me com um seixo, que guardava junto ao bolso da calça. Compreendi que era sua pedra de toque, uma referência que o mantinha em conexão com seu mundo, tal uma bússola ou um rosário de contas. Nela havia vários pequenos furos, cujo contato com os dedos proporcionava-me a serenidade da lembrança da passagem da água. Comecei eu mesmo a adotar aquele procedimento terápico e fui-me para casa ocupado com o experimento.
Recordei de haver ouvido Bez Batti referir que, de pequeno, sentia-se diferente, em razão de seu apego às pedras, e, para não ser caçoado pelos outros meninos, ocultava os cascalhos que retirava do rio em um local seguro, nos recônditos da solidão, onde, depois, poderia, desvigiadamente, decifrá-los. Pensei comigo que, ao trocarmos nossas pedras, em meio ao congresso dos sábios competentes, éramos como crianças compartilhando confidências.
Por esses caminhos tortos, que Deus escreve com a nossa caligrafia, percebi que, já maduro, havia encontrado um amigo de infância.