Por Idete Zimerman Bizzi, médica, psiquiatra e psicanalista
Estar doente não é vergonha, não é crime, e não é prerrogativa de poucos. Tom Hanks imortalizou, no filme Náufrago (2000), um personagem que, em uma ilha deserta, agarra-se a uma bola de vôlei, Wilson, com quem conversa continuamente e onde encontra suporte emocional.
Convivemos com o aumento vertiginoso do fenômeno da satisfação emocional narcísica
Um indivíduo privado de vínculos não se mantém psiquicamente vivo, e o protagonista cria uma companhia para si, recorrendo ao que Freud descreveu como “satisfação alucinatória do desejo”, mecanismo primitivo fundamental à estruturação mental dos bebês. Progressivamente, esse recurso mágico vai sendo substituído pela capacidade de pensar, esperar e abandonar os caminhos narcísicos de satisfação ilusória. Sob vivências excessivamente árduas, porém, pode-se regredir ao uso maciço desse mecanismo, com preocupante negação dos fatos da ordem do real.
Convivemos, no Brasil de 2025, com o aumento vertiginoso do fenômeno da satisfação emocional narcísica, autogerada, descolada da realidade externa, sugerindo graus crescentes de angústia e esvaziamento emocional em circunstâncias aparentemente cotidianas, e não extremas, como as do personagem de Tom Hanks.
Os bebês reborn são tomados como seres humanos pelo pensamento mágico e deixam a impressão de que há um verdadeiro bebê em estado de extrema fragilidade: aquele que segura a boneca de silicone. Também aplicativos de IA, ao largo da inquestionável utilidade como instrumentos de pesquisa, facilitadores em diversas áreas da civilização, são tomados, com aparente naturalidade, como seres vivos, responsivos, afetivos, e se tornam objeto de vida de relação. Já convivemos com dependências emocionais e apaixonamentos de pessoas de diversas idades pelo ChatGPT. Estamos doentes? Recorrendo a simulacros de vínculos humanos, motivados por galopante inanição vincular e emocional? Tornamo-nos, inadvertidamente, uma triste peça, um detalhe do machine learning?
Sim, penso que nós estamos doentes. Nós, diga-se, os humanos, pois a IA vai bem, obrigada, e segue “aprendendo”.