Por Ricardo Pippi Schimidt, desembargador do Tribunal de Justiça do RS
Em meio à sobrecarga crônica da Justiça brasileira, um novo fator agrava o cenário: a litigância predatória. Juízes enfrentam milhares de processos, servidores estão exaustos diante de demandas intermináveis e o cidadão sente que a justiça tarda — e, às vezes, falha. Esse quadro, por si só grave, ganha contornos ainda mais preocupantes com a expansão silenciosa de uma distorção que corrói a estrutura do sistema por dentro.
Grupos organizados promovem o ajuizamento em massa de ações artificiais
Mais do que excesso de processos, o que há é a manipulação do direito de ação como instrumento de vantagem econômica ilegítima. Grupos organizados promovem o ajuizamento em massa de ações artificiais, sem lastro em conflitos reais. Em vez de servir à pacificação social, o Judiciário é usado para gerar lucro impróprio. O caso mais recente envolve mais de 100 mil ações similares contra bancos, movidas por um grupo de maus advogados, já sob investigação criminal. A detecção foi feita pelo Núcleo de Monitoramento do TJRS.
A litigância predatória, além de consumir recursos da Justiça, compromete sua efetividade. É distinta da judicialização legítima de demandas de massa, nas quais milhares de pessoas buscam reparação similar. São ações fabricadas em série, que violam princípios como a boa-fé, a lealdade processual e o interesse social da jurisdição. Horas de trabalho de juízes e servidores são desviadas de causas relevantes.
E o contexto já é de extrema pressão. Enquanto países como Alemanha e França mantêm cerca de 300 processos anuais por juiz, no Brasil são mais de 4 mil. À inércia de agências reguladoras e à resistência de órgãos públicos em cumprir decisões soma-se esse novo flagelo ético.
Superar esse cenário exige mais do que reformas legislativas. Requer ação coordenada, atenção institucional e compromisso ético dos operadores do sistema. Cabe ao Judiciário e aos juízes coibir abusos com firmeza e, assim como à OAB e aos demais profissionais do direito, enfrentar práticas distorcidas. Defender a Justiça é sustentar a verdade, a ética e a confiança pública.