Por José Victor Castiel, ator e empreendedor cultural
Fui adolescente na década de 1970. Minha arte foi forjada no auge do psicodelismo, do rock progressivo inglês e de um teatro brasileiro que servia como trincheira contra pensamentos autoritários. Não havia internet, mas o ridículo já circulava – apenas se escondia melhor. Hoje, o mercado cultural virou passarela de seguidores: quem tem talento, currículo e rugas perde para quem posta dancinha com filtro. Etarismo virou critério de exclusão elegante. “Adoramos teu trabalho, mas queremos algo mais... jovem.” Jovem quem, cara-pálida? Alguém que nunca pisou num palco, mas tem 250 mil seguidores vendo ele comer tapioca?
Sim, eu sou do tempo em que o talento se provava no palco, no set
Sim, eu sou do tempo em que o talento se provava no palco, no set, na sala de ensaio e no estúdio. Tempo em que errar o texto era corrigido com generosidade – e não com cancelamento. Mas atenção: não é ranço. Claro que há jovens talentosíssimos. Muitos. Trabalho com alguns, aprendo com outros. Alguns, inclusive, têm tanto brilho que nem precisam de filtro. São inquietos, criativos, comprometidos. Só que eles convivem, injustamente, com uma onda que confunde juventude com algoritmo.
E aí, meu caro, começa a injustiça: profissionais com décadas de estrada, que já emocionaram plateias inteiras e enfrentaram blackout no meio do monólogo, agora precisam disputar espaço com quem viralizou um vídeo dublando uma marmota. Nada contra a marmota. Mas será que o Paulo Autran, se vivo, teria que abrir uma conta no Threads pra conseguir um papel?
Sigo por aqui. Um pouco mais experiente, sim. Mas indignado com elegância. Confiante de que talento, uma hora ou outra, fura a bolha. E que arte – a verdadeira – não envelhece, não precisa de filtro, e nunca dependerá de wi-fi.
E já que estamos falando de filtros, vale lembrar: o único filtro que me interessa é aquele do café passado na hora, forte, sem açúcar e com gosto de conversa boa. Porque, no fim das contas, o palco não tem filtro, o texto não tem emoji, e o público – ah, o público! – esse sim sabe reconhecer quem entrega alma, suor e verdade. Mesmo que a luz seja fria, o camarim apertado e o cachê... melhor nem comentar. Mas seguimos, porque a arte – essa senhora teimosa e encantadora – ainda é o melhor antídoto contra a efemeridade dos likes.