Por Dom Jaime Spengler, arcebispo de Porto Alegre e presidente da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
Habituados a viver numa sociedade na qual o que importa é calcular, produzir e consumir, corre-se o risco de desconsiderar a dimensão humana dos sentimentos, ou seja, a necessária escuta do coração. Os sinais de tal situação são inocultáveis! A exacerbação do eu e a aceleração sempre maior da vida cotidiana dificultam a salutar atividade de escutar o coração. Num mundo sem coração tudo se torna hostil, sem acolhimento, solidariedade, paixão!
Experimentamos uma desvalorização do conceito “coração”, consequência do racionalismo e do materialismo que preferiram conceitos como razão, vontade ou liberdade, convertendo-nos em consumistas insaciáveis e escravos na engrenagem de um mercado.
O coração aponta para uma dimensão da existência a que o empirismo científico não tem acesso
Vale recordar que o coração significa não somente um órgão vital do corpo, responsável pela fruição da vida, mas também um espaço privilegiado de decisões, pois “o coração tem suas razões, que a própria razão não conhece: percebe-se isso em mil modos” (Pascal, fr. 277).
O coração aponta para uma dimensão da existência a que o empirismo científico não tem acesso; ele expressa aquilo de mais íntimo que o ser humano tem, manifestando experiências vitais, que exigem empenho para serem captadas no seu vigor.
Quando não se dá “o devido valor ao coração, desvaloriza-se também o que significa falar a partir do coração, agir com o coração, amadurecer e curar o coração. Quando não consideramos as especificidades do coração, perdemos as respostas que a inteligência por si só não pode dar, perdemos o encontro com os outros, perdemos a poesia. E perdemos a história e as nossas histórias, porque a verdadeira aventura pessoal é aquela que se constrói a partir do coração” (Papa Francisco).
O coração possui uma flexibilidade que se adapta aos diversos aspectos do que se ama; dos olhos vai até o coração e dos movimentos exteriores conhece o que acontece no seu interior. Quando coração e razão caminham juntos, o amor dá muito prazer, porque junto se tem a força e a flexibilidade do espírito.