A polêmica em torno do transplante de coração do apresentador Fausto Silva está gerando um efeito colateral positivo para a sociedade brasileira, que é o recrudescimento do debate sobre a doação de órgãos no país. Apesar da longa lista de espera, que atualmente já ultrapassa o número de 70 mil pacientes, quase metade das famílias consultadas ainda recusa a doação de órgãos de familiares falecidos, segundo registros da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO). Levantamento divulgado pela entidade indica que, no ano passado, 46% das famílias com poder decisório responderam negativamente às equipes de saúde.
Evidentemente, essas pessoas não podem ser acusadas de preconceito ou insensibilidade. Trata-se de uma decisão extremamente difícil, que precisa ser tomada num momento de fragilidade emocional. Mas sempre que se constata um paciente ganhando sobrevida ou recuperando funções vitais que estavam perdidas percebe-se o quanto é nobre oferecer tais oportunidades a outro ser humano.
O Sistema Único de Saúde, que controla as doações, possui o maior programa de transplantes do mundo, pelo qual 87% de todas as cirurgias são feitas com recursos públicos
O Brasil já contabiliza grandes avanços nesta área. O Sistema Único de Saúde, que controla as doações, possui o maior programa de transplantes do mundo, pelo qual 87% de todas as cirurgias são feitas com recursos públicos. O transplante é um procedimento cirúrgico que consiste na transposição de um órgão (coração, fígado, pâncreas, pulmão, rim) ou tecido (medula óssea, ossos, córnea) de um doador vivo ou morto para um receptor doente. O diagnóstico de morte encefálica dos doares é regulamentado pelo Conselho Federal de Medicina e rigorosamente comprovado por exames complementares de equipes médicas. Quanto a isso, praticamente inexiste margem para dúvidas dos familiares. De acordo com a legislação vigente, os órgãos doados vão para pacientes comprovadamente necessitados, que estão aguardando em lista única definida pela Central de Transplantes da secretaria de saúde de cada Estado e controlada pelo Sistema Nacional de Transplantes.
Apesar dos cuidados e da regulamentação minuciosa, os familiares costumam ficar inseguros para dar a autorização, principalmente quando o potencial doador não manifestou em vida sua vontade em relação ao assunto. Por isso, continua sendo fundamental – ainda que não seja irrevogável – que as pessoas conscientes da importância de deixar uma chance de vida para desconhecidos afirmem claramente sua vontade junto aos familiares ou mesmo deixem um pedido escrito nesse sentido. Uma atitude ainda mais eficiente e prática é acessar o site da Aliança Brasileira pela Doação de Órgãos e Tecidos (Adote) e fazer um cadastro de doador, providência que não apenas ajuda na identificação de compatibilidade num possível transplante como também serve para convencimento dos familiares.
Para a maioria das pessoas, sempre representa um certo consolo saber que uma parte vital do parente falecido continuará executando os movimentos da vida em outro corpo. Além disso, quem adota uma decisão como essa num momento de dor merece o reconhecimento da sociedade pela coragem, pelo altruísmo e pelo compromisso com o mais caro dos valores humanos, que é a vida.