Se o presidente Jair Bolsonaro e seu círculo íntimo deixassem de ofuscar realizações do próprio governo pelo desvio de foco para disparates e intrigas nas redes sociais, o país prestaria mais atenção no fato de que está em curso uma revolução na forma de relacionamento dos cidadãos com a máquina pública. A mais recente e positiva novidade nessa seara crucial para a modernização do Brasil é a criação da carteira de trabalho digital, lançada na terça-feira. Ela torna obsoleta a velha carteira em papel, que ainda deve ser conservada devido a anotações anteriores, mas cuja nova versão representará a libertação de empregados e empregadores de atualizações e anotações, muitas vezes com erros de transcrição.
A ideia de concentração de soluções digitais em um único local tomou forma, ganhou velocidade e avança celeremente
A carteira de trabalho digital se inclui numa ampla e crescente gama de serviços federais que já podem ser encaminhados e resolvidos online, evitando-se desgastantes, inconvenientes e demoradas idas e vindas a repartições públicas. A partir do endereço gov.br, os contribuintes têm uma dimensão do início dessa revolução, que já alcança INSS, seguro-desemprego e serviço militar, entre centenas de outras solicitações, emissões de certificados e documentos variados. Para um país que se acostumou a viver imerso em papelada, carimbos e repartições em petição de miséria, é um passo gigantesco a favor dos cidadãos que precisam se relacionar com o poder público.
A ideia de concentração de soluções digitais em um único local, a partir apenas do CPF e de uma senha única, não começou neste governo, mas foi graças à nova Secretaria de Desburocratização, Gestão e Governo Digital que tomou forma, ganhou velocidade e avança celeremente.
A secretaria é comandada por um gaúcho, Paulo Uebel, ex-presidente do Instituto de Estudos Empresariais (IEE) e membro da equipe de perfil liberal que hoje comanda o Ministério da Economia. Com essa filosofia, a secretaria foi encarregada de ajudar a tirar o Estado de cima do cidadão, transformando aos poucos o que era um tormento de peregrinações por repartições em soluções rápidas, eficazes e econômicas.
Previsivelmente, remanescentes de um Brasil que se apegava ao carimbo procuram defender seus feudos burocráticos e práticas anacrônicas ao desprezar iniciativas de modernização e lançar suspeitas sobre a eficácia do sistema. O mesmo, lembre-se, ocorreu com duas outras iniciativas pioneiras e inovadoras no passado: a declaração do Imposto de Renda por meio digital e a adoção da urna eletrônica, esta, aliás, alvo de infundados ataques da própria família Bolsonaro.
Apesar das vozes em contrário, os avanços digitais são um bálsamo na vida dos cidadãos sufocados pelo aparato estatal. No entanto, precisam de estímulo permanente para superar a resistência dos céticos: ainda há muito o que fazer na direção de um governo realmente online, como em outros países – e não apenas nos mais desenvolvidos. A Índia, por exemplo, vem implantando um sistema de identificação biométrica para seus mais de 1,3 bilhão de habitantes que virtualmente elimina as fraudes e permite desde acesso aos programas sociais até financiamentos para quem não tem conta em banco.
O Brasil não conseguiu ainda sequer implantar uma carteira de identidade única, mas sua máquina pública federal finalmente está na direção certa.