Por Marta Gleich, Diretora-executiva de Jornalismo e Esporte e secretária do Conselho Editorial da RBS
Objetividade sempre foi um norte da profissão de jornalista. Um pacto implícito entre o profissional e seu público: a notícia viria limpa, neutra, sem nenhuma contaminação. Mas essa combinação não é 100% precisa na prática. Toda escolha editorial — o que entra na pauta, o que fica de fora, quantos conteúdos se publica de um assunto ou de outro, quais fontes se procura para uma reportagem — já pode ser considerada um ponto de vista.
Num mundo em que a desinformação é sistemática e a verdade é atacada como posição política, a pretensa neutralidade se tornou insuficiente. Diante do racismo, da violência política, da negação científica, não há dois lados igualmente defensáveis. Quando há um fato verificável de um lado e uma mentira do outro, tratá-los como equivalentes não é equilíbrio — é distorção.
Em tempos de polarização, o jornalismo que importa é o que encara os conflitos com critério, contexto e coragem
Defender o jornalismo profissional hoje é admitir que a objetividade como mito fundacional não é absoluta. Em seu lugar, precisamos reforçar ainda mais a transparência com todos os públicos (e eles são muito diversos!), a responsabilidade nas escolhas e o rigor ético e profissional.
O leitor, mais do que nunca, deve saber de onde partimos, quais são nossos métodos, como chegamos àquilo que publicamos.
Em tempos de polarização, o jornalismo que importa é o que encara os conflitos com critério, contexto e coragem. Não escolhemos um lado político. Escolhemos o lado da apuração, da verdade factual.
Se isso desagrada extremismos, é sinal de que o jornalismo ainda cumpre seu papel.
Não há imparcialidade possível diante da injustiça, da censura, da brutalidade.
Há integridade, que é outra coisa. O jornalismo que sobrevive ao nosso tempo será aquele que para de fingir que não escolheu um lado — e assume, com clareza, que está ao lado da democracia, da liberdade e da dignidade humana.