Por Raquel Recuero, Professora, pesquisadora e membro do Conselho Editorial da RBS
Na semana passada, o Google surpreendeu o mundo com o lançamento do Veo 3, sua nova ferramenta de inteligência artificial (IA), produto multimodal de produção de conteúdo – vídeo, texto e som. O Veo 3, projetado para construir vídeos realistas, produzir trilhas sonoras e áudios, é realmente impressionante. Além de vídeos com alta qualidade, ele tem a capacidade de emular, por exemplo, sotaques e trejeitos de linguagem com grande precisão e com baixo custo.
O desafio é grande, e as redações ainda estão pouco preparadas para acompanhar o ritmo dessas transformações
Essas ferramentas oferecem oportunidades importantes para pessoas e empresas (como produção de conteúdo facilitada, apoio na verificação de fatos e análise de dados), mas também apresentam riscos profundos. A automatização da produção, combinada à velocidade de circulação nas redes sociais e à dificuldade de verificar conteúdos, favorece a disseminação de desinformação em larga escala. É importante lembrar, por exemplo, que, nas enchentes no Rio Grande do Sul em 2024, imagens falsas geradas por IA (que não tinham a qualidade proporcionada pelo Veo 3) circularam amplamente, confundindo o público e dificultando a resposta institucional. O paradoxo é evidente: quanto mais precisamos de informação confiável, mais conteúdos falsos tendem a circular – e com maior força justamente no formato mais confiável para o público, que são as imagens.
Esse cenário sublinha a importância da revalorização do papel do jornalismo e, também, a necessidade de transformações em suas práticas. O jornalismo é um pilar da democracia por sua relação com a credibilidade e divulgação de fatos essenciais ao exercício da cidadania. São suas ações que constroem e apuram conteúdo relevante. No entanto, é necessário adaptar essas práticas. O jornalismo precisa, assim, redefinir seu papel frente à produção e à validação da informação. Nesse cenário, muitas frentes são fundamentais, tais como: a apropriação crítica das ferramentas de IA nas redações e o debate sobre este uso; a necessidade de transparência e critérios éticos no uso desses sistemas; a criação de protocolos de apuração e verificação de conteúdos; e a construção da responsabilidade e do compromisso público dos veículos.
O desafio é grande, e as redações ainda estão pouco preparadas para acompanhar o ritmo dessas transformações. Mesmo nas universidades, a discussão ainda é incipiente. Enquanto isso, a IA avança aos borbotões. Mais do que necessária, a discussão da adaptação das práticas jornalísticas é uma questão de sobrevivência da própria sociedade na guerra contra a desinformação.