Paulo Sant'Ana queria ser amado. Por trás de seu egocentrismo, da megalomania, da necessidade de se fazer notar em qualquer ambiente e de pedir reconhecimento de várias maneiras todo dia, estava um menino que perdeu a mãe aos dois anos e que teve um pai descrito por ele mesmo como seu carcereiro, que o punha de castigo nu, no sótão. O pai duvidava que Sant'Ana pudesse se transformar em alguém.
"E eu me transformei no Paulo Sant'Ana", dizia ele, já de cabelos brancos, como quem constata não ser possível alcançar feito maior.
Por muitos anos, compartilhei o mesmo ambiente de trabalho com o grande Sant'Ana. Primeiro como uma repórter iniciante com olhos de fã para um dos maiores comunicadores brasileiros. Nos últimos anos, como diretora de Redação e, portanto, chefe dele – em teoria. Como se Sant'Ana alguma vez na vida pudesse ter se subordinado a alguém. E vou contar para vocês: foi ótimo. E, algumas vezes, difícil.
Sant'Ana foi um ser humano indomável, contraditório, genial. Quando estava bem, fazia barulho na Redação, falava com todos, sentava ao computador e cuspia uma coluna das mais espetaculares em 10 minutos. Quando estava mal, entrava olhando para os próprios pés, não falava com ninguém, sofria para lá e para cá até escrever uma coluna mediana e ia-se embora igualmente cabisbaixo. Outras vezes, arrumava desafetos por uma palavra atravessada dita ao vivo ou em texto. Algumas pessoas tinham medo de falar com ele – qualquer comentário pessoal tinha potencial de virar coluna de jornal. Acumulou desafetos por causa disso. Mas, como ninguém, sabia traduzir a alma humana sem censura, em colunas em que expunha suas entranhas – e as de todos nós.
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Como nenhum jornalista de ZH até hoje, sabia descobrir o famoso "talk of the town" – no jargão jornalístico, aquilo de que a comunidade está falando, e que nem sempre chega às redações. Não poucas vezes, a coluna do Sant'Ana levantava um assunto que depois se transformava em reportagem. Nós, repórteres e editores, corríamos atrás dele. Sempre. Porque ele sabia ouvir a conversa das esquinas.
Sant'Ana também foi um exemplo de superação. "Tu não sabes quantas vezes, Marta, eu tive que vencer a mais profunda depressão e vir, mesmo assim, ao jornal escrever", contava, sempre com tons dramáticos, quando sentava-se em minha sala para puxar uma conversa em busca de um tema para mais uma coluna.
Na última reforma que fizemos na Redação, surgiu uma questão relevante: onde ficaria o cantinho para o Sant'Ana tirar sua soneca depois do almoço? Resolvemos comprar uma poltrona, daquele tipo cadeira do papai, e colocar em um canto da editoria de Opinião, onde ele escrevia. E lá ele dormia, todo dia, por alguns minutos. Um privilégio que só o Sant'Ana poderia ter. Vocês não têm ideia da felicidade de guri do Sant'Ana com sua cadeira. Por anos, ele repetia para as pessoas, em tom solene, agradecido: "Esta aqui (e apontava para mim) colocou uma cadeira na Redação para eu tirar uma soneca". E eu sorria amarelo. Era tão pouco. Talvez não. Não para ele. Ele era assim. Só queria ser amado.
Só queria ter seu lugar especial, longe do sótão, confortável, acarinhado. Tornou-se o grande, insuperável, Paulo Sant'Ana. O maior colunista deste jornal. Farás falta, querido amigo. Nesta Redação e, tenho certeza, para cada um de nossos leitores.