
María Corina Machado, 58 anos, laureada nesta sexta-feira (10) com o Nobel da Paz 2025, ao longo da sua trajetória política percorreu viadutos, rodovias, andou de motocicleta, buscou abrigo em casas de apoiadores e viu seus colaboradores mais próximos serem detidos e perseguidos pelo governo de Nicolás Maduro. Maria segurou as mãos calejadas de homens que choravam e ouviu os apelos de jovens e velhos enquanto cruzava a Venezuela.
Os apoiadores gritavam "Liberdade! Liberdade! Liberdade!" quando ela chegava aos comícios e enquanto falava, alguns ficavam emocionados a ponto de chorar.
O Comitê Norueguês do Nobel, responsável pela premiação, destacou a “luta incansável pela promoção dos direitos democráticos do povo da Venezuela” e pela busca de uma “transição justa e pacífica da ditadura para a democracia”.
A trajetória de Corina, marcada por mais de duas décadas de ativismo democrático, culmina agora com o reconhecimento internacional. O Comitê do Nobel destacou que, mesmo sob ameaças à sua vida, ela "manteve acesa a chama da democracia em meio à escuridão crescente."
Durante o anúncio, o Comitê Norueguês do Nobel afirmou que a ativista política cumpre critérios estabelecidos por Alfred Nobel para receber o prêmio: promover a fraternidade entre nações, reduzir a militarização e trabalhar pela paz.
Crise política e repressão intensificada
A premiação ocorre em meio a uma das fases mais tensas da crise política venezuelana, incluindo uma detenção relâmpago durante protesto contra a posse de Nicolás Maduro, em 9 de janeiro, quando aliados afirmam que Machado foi interceptada violentamente e obrigada a gravar vídeos como “prova de vida”. Em fevereiro, ela denunciou uma tentativa de invasão à sua residência, em Caracas, por homens não identificados que ameaçaram vizinhos e o vigilante do prédio.
Proibida de disputar as eleições
Cotada para derrotar Nicolás Maduro nas eleições presidenciais de julho de 2024, María Corina Machado foi impedida de concorrer pelo Supremo Tribunal de Justiça da Venezuela, alinhado ao governo chavista. A decisão, tomada em janeiro de 2024, a inabilitou por 15 anos para ocupar cargos públicos, sob alegações de irregularidades administrativas — uma medida amplamente criticada por organismos internacionais e governos estrangeiros.
Em julho de 2024, ocorreram as eleições presidenciais marcadas por denúncias de fraude eleitoral, nas quais o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), controlado pelo chavismo, proclamou a reeleição de Nicolás Maduro. A oposição, liderada por María Corina e pela Plataforma Unitária Democrática (PUD), apresentou documentos que indicariam a vitória de Edmundo González Urrutia, atualmente exilado na Espanha.
No entanto, impulsionada por essa proibição, ela se tornou a força motriz da principal coligação da oposição e um símbolo de esperança, coragem e perseverança para milhões de venezuelanos.
Desde então, o regime intensificou a repressão contra opositores. Machado denunciou uma “brutal onda de repressão”, com mais de 20 desaparecimentos e prisões em apenas 72 horas, incluindo aliados políticos e até mesários das eleições. A oposição acusa o governo de manter uma política de “porta giratória”, libertando seletivamente alguns presos políticos enquanto encarcera outros, como parte de uma estratégia de diplomacia de reféns.
A líder da oposição vive escondida na Venezuela desde então, negando rumores de exílio e reafirmando sua permanência no país. “Saben que estoy aquí en Venezuela”, declarou, em resposta às alegações de Maduro de que ela teria fugido para a Espanha.
A líder opositora também responsabiliza Maduro pela crise humanitária e migratória que levou cerca de um terço da população venezuelana a deixar o país. Em suas declarações públicas, Machado afirma que o regime chavista se transformou em uma “estrutura criminosa” que desestabiliza a região e representa uma ameaça à segurança internacional.
Maduro a chama de "velha decrépita da ideologia do ódio e do fascismo" e a acusa de querer "encher o país de ódio e violência".
Trajetória e legado
Engenheira industrial formada pela Universidade Católica Andrés Bello, em Caracas, María Corina Machado se destacou no início dos anos 2000 ao fundar a organização Súmate, voltada à transparência eleitoral e à promoção de eleições livres e justas. A ONG ganhou notoriedade ao monitorar votações e denunciar irregularidades cometidas pelo governo de Hugo Chávez, o que rapidamente transformou Machado em um dos principais rostos da oposição venezuelana.
Um ano depois, ela atraiu novamente a ira de Chávez e dos seus aliados por viajar a Washington para se encontrar com então presidente dos Estados Unidos George W. Bush na Casa Branca. Chávez considerava Bush um adversário.
Ao longo de mais de duas décadas de militância, enfrentou perseguições políticas, processos judiciais e ameaças, mas manteve firme sua defesa de uma transição pacífica e democrática. Eleita deputada em 2010 com votação recorde, teve seu mandato cassado em 2014 após críticas públicas ao regime chavista. Desde então, consolidou-se como uma das vozes mais contundentes contra o autoritarismo na Venezuela, repetindo o lema que a acompanha há anos:
“Foi uma escolha entre as urnas e as balas.”
Luta pelos direitos civis
Ela entrou formalmente na arena política em 2010, quando foi eleita para um assento na Assembleia Nacional. Foi a partir desta posição que ela corajosamente interrompeu Chávez durante um discurso do ex-presidente ao Parlamento, chamando a estatização de empresas de roubo. Chavez respondeu apontando que "uma águia não caça uma mosca".
Nascida em 1967 em Caracas, María Corina Machado é engenheira com formação em finanças. Atuou no setor privado antes de se dedicar à política e à defesa dos direitos civis. Em 1992, fundou a Fundação Atenea, voltada ao acolhimento e à educação de crianças em situação de rua em Caracas. Pertence a uma família conservadora e católica e é mãe de três filhos.


