
Na semana que marcou os dois anos do ataque do grupo terrorista Hamas a Israel, que gerou uma resposta destruidora por parte dos israelenses aos palestinos, os primeiros sinais mais promissores de paz começam finalmente a emergir no horizonte da região.
Na quarta-feira (8), Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, comunicou que Hamas e Israel haviam assinado a primeira fase do plano de paz entre as partes, elaborado com articulação central dos norte-americanos. Já nesta quinta-feira (9), o chefe do Hamas em Gaza chegou a anunciar "o fim da guerra" com Israel.
— Desde o início deste período de conflito, há dois anos, agora parece de fato que a situação se encaminha para uma resolução, com todas as partes se alinhando em um certo consenso. Contudo, a região também é conhecida por reviravoltas, quebras de acordos, então, ainda é preciso se manter atento. Vejo esse anúncio com otimismo, mas com cautela — analisa Gunther Rudzit, professor de relações internacionais da ESPM-SP.
Nesta primeira fase do plano de paz, estão previstos:
- um cessar-fogo imediato
- a entrada de ajuda humanitária em Gaza
- a libertação dos reféns israelenses
- e a soltura de prisioneiros palestinos

Conforme Trump, o retorno dos reféns sequestrados pelo Hamas há dois anos deve ocorrer entre segunda (13) e terça-feira (14), e o próprio mandatário norte-americano deverá estar presente no local.
— A partir do momento em que há essa possibilidade real de pausar, ou até encerrar definitivamente, uma guerra que já carrega milhares de mortos, feridos, presos e pessoas torturadas, precisamos comemorar enquanto humanidade. Por isso, o acordo traz esperança para esse ambiente tumultuado, em que existem dois povos sofrendo, ainda que em proporções diferentes, mas que ambos desejam o fim desse conflito, e que a gente espera que se cumpra — observa João Jung, professor de relações internacionais da Pucrs.
Já a professora de relações internacionais e direito internacional da UFRGS, Tatiana Squeff, é mais cautelosa ao analisar o anúncio de acordo entre as partes. Para a docente, é precoce afirmar que o acordo irá sacramentar um período de não agressão na região.
— Trump chegou a afirmar que o acordo poderá trazer uma paz "eterna" para a região, mas infelizmente é muito complicado definir dessa forma. Sabemos que há questões históricas profundas entre os dois lados, e que o próprio Benjamin Netanyahu (primeiro ministro de Israel) tensionou ainda mais esse conflito, por convicções pessoais e até para tirar o foco de sua impopularidade crescente dentro de Israel. Então, precisamos aguardar para ver se esse acordo não vai ser usado como cortina de fumaça somente para a liberação dos reféns, e se o Hamas também vai entregar as armas — destaca.

Próximos passos
Concretizada a entrega dos reféns e confirmado o cessar-fogo, o plano de paz acordado entre as partes tem novas fases para serem cumpridas (veja ao final do texto). Principal terreno destes dois anos de guerra, o território da Faixa de Gaza está com sua infraestrutura destruída.
Por isso, o plano prevê a liberação da entrada de ajuda humanitária em Gaza, para acudir a população local. Também estão previstos os primeiros esforços de reconstrução do território, com a limpeza de escombros e reabertura de estradas.
Para supervisionar a gestão do território nesta fase, o plano projeta o estabelecimento de um "conselho da paz", presidido por Trump e que poderia contar com a participação do ex-premiê britânico Tony Blair.
— Acredito que essa fase possa, sim, vir a ser levada adiante e que se crie uma coalizão internacional para supervisionar esse período de transição até uma autoridade palestina voltar a assumir a região, mais estabilizada. Há precedentes de situações similares, como o que já ocorreu no Kosovo, por exemplo — aponta Roberto Uebel, professor de relações internacionais da ESPM-SP.
É consenso que estão sendo emitidos sinais positivos pelas partes envolvidas no conflito, no sentido de cessar as agressões que já duram dois anos. Por outro lado, como acrescenta o internacionalista João Jung, é mais complexo de se projetar este cenário a médio e longo prazo.
— A médio e longo prazo fica mais complicado prever o futuro das relações, pois o próprio plano de paz apresentado tem 20 pontos e, dentro desses pontos, há questões que são historicamente motivo de disputa entre israelenses e palestinos. Parece inevitável que, nas próximas semanas, a guerra seja suspensa, até pela forte pressão dos Estados Unidos nesse momento, mas o Hamas vai abrir mão de fato de participar de qualquer governo de Gaza? Netanyahu vai aceitar o estabelecimento formal de um Estado palestino? São questões como essas que ameaçam a duração do acordo — reforça.
Trump sai fortalecido, mas não é o único articulador

O plano de paz acordado foi anunciado por Donald Trump, ainda no final de setembro, e a assinatura da primeira etapa também foi comunicada pelo mandatário norte-americano. Centralizando as articulações pela resolução do conflito em sua figura, Trump pretende sair consagrado como o grande responsável pelo fim da guerra.
— Mesmo durante o período de eleição, Trump já dizia que queria se colocar nesta posição de resolver os conflitos internacionais, citando as guerras em Gaza e na Ucrânia. Os Estados Unidos tiveram, sim, papel fundamental nas negociações do acordo, até pelo poder que têm, e Trump quer para si os louros, inclusive ele já mencionou que quer ganhar o Prêmio Nobel da Paz, mas a conclusão do acordo é fruto de esforços diplomáticos de muitos países — defende Tatiana Squeff.
O professor Gunther Rudzit destaca também o papel fundamental que os países da região do conflito tiveram no período de negociações e na construção do acordo.
— A Arábia Saudita, que é uma grande potência da região e aliada histórica dos Estados Unidos, aumentou a pressão sobre os norte-americanos para fazer com que Israel aceitasse o cessar-fogo e trouxesse mais estabilidade para a região, o que resultou até em um telefonema de Netanyahu para o príncipe do Catar, pedindo desculpas por um bombardeio. Da mesma forma, foi muito importante o papel do Egito, que sediou as rodadas de negociação, dos turcos, que também são uma grande potência da região, e das monarquias como o próprio Catar e os Emirados Árabes Unidos — complementa.
Papel do governo brasileiro
Historicamente, a política externa brasileira é caracterizada pelo pragmatismo e pela independência, reconhecidamente defendendo interesses de Estado, e não de governo. Neste conflito, entretanto, o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, teceu inúmeras críticas públicas às ações do governo israelense em Gaza, acusando Israel de cometer um "genocídio" na região.
Durante a recente Assembleia-Geral da ONU, em setembro, Lula participou de atividades como a Conferência Internacional para a Solução Pacífica da Questão Palestina e a Implementação da Solução de Dois Estados. Após o plano anunciado por Trump, por outro lado, o Itamaraty endossou a iniciativa, elogiando "os esforços pela paz" na Faixa de Gaza.
— Em algum momento o Brasil tentou se colocar como possível protagonista nessas agendas, mas Lula sempre teve dificuldade em reconhecer o Hamas como um grupo terrorista, por exemplo, o que tira um pouco de legitimidade nesse aspecto. No âmbito internacional, o país tem mais capacidade de ser protagonista nas regiões onde está inserido, na América Latina e no Atlântico Sul, e manter o posicionamento histórico independente da sua diplomacia — argumenta Roberto Uebel.
— A conjuntura internacional dos anos 2020 é diferente do que era nos anos 2000. Para o Brasil ter mais protagonismo internacional, deve se concentrar nos temas que têm mais capacidade de ser uma liderança global, como energias renováveis, produção de alimentos e proteção ao meio ambiente — acrescenta Gunther Rudzit.
As etapas do plano de paz
Fim imediato da guerra e troca de reféns e prisioneiros
- O cessar-fogo ocorreria logo após a aceitação do plano
- Israel libertaria prisioneiros, enquanto o Hamas devolve todos os reféns
- A troca incluiria também restos mortais de reféns
Ajuda humanitária e reconstrução de Gaza
- Entrada imediata de alimentos, água, energia, hospitais e infraestrutura
- Equipamentos para limpar escombros e reabrir estradas seriam autorizados
- Distribuição feita pela ONU, Crescente Vermelho e outras entidades neutras
Nova governança em Gaza
- Um comitê palestino tecnocrático e apolítico assumiria a gestão local
- Esse órgão será supervisionado pelo “Conselho da Paz”, presidido por Trump
- O objetivo é preparar o retorno da Autoridade Palestina após reformas
Desmilitarização e anistia ao Hamas
- Toda infraestrutura militar e de túneis seria destruída sob monitoramento internacional
- Integrantes do Hamas poderiam entregar armas e receber anistia
- Quem desejasse sair teria passagem segura para outros países
Segurança internacional e futuro político
- Uma Força Internacional de Estabilização treinaria a polícia palestina
- Israel se retiraria gradualmente, mantendo apenas um perímetro de segurança temporário
- O plano prevê caminho para autodeterminação palestina e coexistência pacífica


