
Novos passos em direção ao fim do conflito entre Israel e Hamas foram dados na segunda-feira (13). O dia amanheceu com a entrega dos últimos 20 reféns israelenses vivos que eram mantidos pelo grupo terrorista há mais de dois anos, e, na sequência, líderes mundiais assinaram o acordo de cessar-fogo em Gaza durante cúpula realizada no Egito. Foram duas etapas cumpridas do plano de paz mais amplo elaborado pelos Estados Unidos, que pretende trazer estabilidade mais duradoura para a região.
Os atos dos últimos dias estão sendo considerados os maiores esforços pela paz na região desde os acordos de Oslo, assinados em 1993. O pacto, que também foi articulado pelos Estados Unidos, levou à criação da Autoridade Palestina, e os principais artífices — o líder da Libertação da Palestina (OLP), Yasser Arafat, o primeiro-ministro israelense, Yitzhak Rabin, e seu ministro das Relações Exteriores, Shimon Peres —, receberam o Prêmio Nobel da Paz em 1994.
— Na época de Oslo todos estavam muito otimistas, porque o Hamas ainda não havia chegado ao poder em Gaza. Depois, com o grupo no poder, a situação mudou drasticamente. Esse parece ser o maior esforço por paz na região desde então, e o otimismo está renovado pela forte presença e engajamento dos líderes mundiais, indicando que querem um verdadeiro acordo de paz, e não somente um cessar-fogo — afirma Gunther Rudzit, professor de relações internacionais da ESPM-SP.
O acordo atual foi anunciado pelo presidente norte-americano, Donald Trump, ainda no final de setembro, e confirmado por Israel e pelo Hamas na quinta-feira (9). Na segunda, foi assinado também pelas autoridades de Egito, Catar e Turquia, que participaram, junto dos EUA, da mediação.
A influência exercida por estes atores externos, inclusive, foi a grande força por trás da assinatura do acordo entre Israel e Hamas. Enquanto, por um lado, o governo norte-americano pressionou os israelenses, os governos muçulmanos, do outro, pressionaram o Hamas para um consenso.
— Chama a atenção que nem representantes do Hamas e nem Benjamin Netanyahu estiveram presentes na cúpula no Egito. Então, tem essa tendência de pacificação da região, mas impulsionada principalmente pelas lideranças externas. Por isso, é louvável saudar o acordo, pois todos os esforços para diminuir as hostilidades na região são um progresso, mas ainda é preciso enxergar o acordo com um certo ceticismo — pondera o professor de direito e relações internacionais da Unilasalle, Fabrício Pontin.
Envolvidos vão cumprir?
Para Pontin, tanto Hamas quanto Netanyahu têm motivos para querer que o conflito perdure.
— Netanyahu tem altíssima rejeição dentro de Israel, sofre com problemas na Justiça, e sua própria atuação em relação ao conflito é questionada internamente, mas enquanto mirava o Hamas como inimigo urgente e precisava recuperar os reféns, sua posição estava mais resguardada. De modo semelhante, o Hamas, para justificar sua relevância e exercer seu poder, precisa estar em confronto com Israel — analisa o docente.
Dentro do plano de paz elaborado por Trump, o compromisso prevê um cessar-fogo, ou seja, um pacto pela suspensão das agressões mútuas. Contudo, para se alcançar um verdadeiro acordo de paz, é preciso que as partes deem um passo que ainda não foi dado, na visão do professor.
— Em um cessar-fogo, as partes beligerantes apenas suspendem o conflito por um tempo. Em um acordo de paz, as partes beligerantes reconhecem uma a legitimidade da outra, o que ainda não ocorreu. Por isso, a vontade política das lideranças de Israel e Hamas, até o momento, não é condizente a um processo de paz duradouro — reforça Pontin.
A própria posição de Netanyahu como líder de Israel vem sendo sendo colocada em xeque no país, que realiza novas eleições em outubro do ano que vem.
— Para que o acordo seja cumprido, a oposição em Israel até já sinalizou com a possibilidade de não buscar uma derrubada de Netanyahu nesse momento, e é isso que o interessa por enquanto. Já do lado do Hamas, a falta de capacidade de apoio de seus principais aliados, o Irã e o Hezbollah, foi fundamental para que o grupo cedesse. O radicalismo dos dois lados se aproveitou da guerra para tentar manter seu poder — aponta Gunther Rudzit.
Futuro de Gaza

Após dois anos de bombardeios, o território de Gaza ficou completamente devastado, grande parte de sua população precisou se refugiar, e os remanescentes vivem uma crise humanitária de grandes proporções. Por isso, uma das principais dúvidas que surge no momento do cessar-fogo se refere ao futuro de sua administração.
Dentro do plano de 20 pontos projetado por Trump, há a previsão do estabelecimento de um conselho internacional que seria presidido pelo presidente norte-americano, que poderia ter ainda a contribuição de Tony Blair, e que em um primeiro momento supervisionaria a gestão de Gaza. A proposta, a princípio, seria que esse conselho fosse provisório, preparando o terreno para o retorno da Autoridade Palestina, mas sem influência do Hamas. Na prática, entretanto, ainda se espera que sejam apresentados mais detalhes sobre isso.
— Todos concordamos que o apoio a Gaza deve ser feito para elevar o próprio povo, mas não queremos financiar nada que tenha a ver com derramamento de sangue, ódio e terror. Por essa mesma razão, também concordamos que a reconstrução de Gaza exige que ela seja desmilitarizada — declarou Trump na cúpula desta segunda-feira, fazendo referência à necessidade de desarmar o Hamas para que o acordo de paz seja cumprido.
Para Fabrício Pontin, ter autoridades estrangeiras administrando Gaza pode ser problemático da perspectiva dos palestinos, principalmente com a presença de um britânico, como Tony Blair. Entre as décadas de 1920 e 1940, os britânicos exerceram um mandato sobre o território palestino, e o período foi marcado por grandes contestações da população local.
— No contexto da história da Palestina, essa autoridade vai ser vista como uma força colonial, pois o território já teve uma ocupação estrangeira recente que não deixou boas lembranças. Se não for um plano bem estruturado, que faça uma transição clara a uma autoridade local que tenha representação legítima, pode abrir espaço para um futuro retorno do Hamas ao poder, em um cenário que pode ter semelhanças com o que ocorreu no Afeganistão e a volta do Talibã — destaca Pontin.
Em complemento, o professor Gunther Rudzit ressalta que a presença dos países muçulmanos no território palestino pode ajudar a dar legitimidade perante a população local a uma possível gestão de transição.
— Que o Hamas entregue suas armas mais pesadas e que sua infraestrutura logística seja destruída me parece condição básica para que o acordo siga adiante, e isso deve ocorrer. Agora, não há garantia que os representantes do Hamas entreguem também todas suas armas leves, de mão, e que não haja mais confrontos localizados ou resistências de membros, gerando conflitos. Nesse caso, para abafar esses movimentos, a participação de soldados dos países muçulmanos que apoiam o acordo pode ser mais efetiva do que de forças israelenses ou norte-americanas e europeias, que normalmente já são vistos como inimigos — pontua Rudzit.




